Preconceitos lingüísticos

Embora muitas vezes não considerada pela sociedade, a intolerância lingüística também é um fator de preconceito e exclusão social. Na história brasileira, a discriminação contra línguas estrangeiras não se restringiu ao campo interpessoal, e chegou a ser legitimada pelo governo. Essa foi a conclusão da dissertação de mestrado do lingüista Alexandre Marcelo Bueno, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. O pesquisador analisou o papel do Estado no processo imigratório e o preconceito no nível privado em três períodos políticos do Brasil – a Monarquia, a Primeira República e a era Vargas.

A regulamentação do preconceito lingüístico aconteceu durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (de 1930 a 1945), época em que foram criadas leis que dificultavam a permanência de imigrantes no país: o estrangeiro que quisesse se naturalizar deveria provar que sabia falar a língua portuguesa, por exemplo. Ainda durante a era Vargas, foi proibido o uso de outras línguas que não a portuguesa em espaços públicos, assim como o seu ensino em comunidades de imigrantes e a sua veiculação em material impresso.

Segundo Bueno, o idioma também pode servir como um mecanismo para disfarçar outras formas de discriminação. Na época da Monarquia brasileira, Menezes de Souza, por exemplo, autor de um texto de 1879 analisado pelo lingüista, utilizou seu preconceito cultural e lingüístico contra os asiáticos de modo a justificar sua discriminação racial por esse grupo. “Embora o Estado só tenha assumido um papel regulador no processo imigratório durante a era Vargas, a imagem de certos grupos estrangeiros sempre foi considerada negativa no Brasil. Podemos observar esse fato nos discursos da sociedade brasileira nos períodos estudados”, destaca.

Para o pesquisador, a discriminação ainda persiste hoje em dia e muitas vezes é decorrente da idéia que criamos sobre os motivos da vinda dos estrangeiros para o país e do fato de que eles sempre carregarão a marca do seu idioma de origem, o sotaque. Ele acrescenta: “Somos muito mais tolerantes com os erros de português dos turistas do que com os dos imigrantes.”

Bueno acredita que a intolerância lingüística não é muito levada em consideração pela sociedade devido a uma idealização do idioma, criada principalmente pela escola. Por causa dessa idéia, é comum considerarmos apenas uma única norma lingüística como a correta e a prestigiada. “Isso desconsidera o múltiplo caráter da língua, permitindo a construção de intolerâncias sem que elas sejam imediatamente percebidas”, complementa. “Assim, a discriminação lingüística muitas vezes é justificada em nome de uma regra correta, enquanto os outros tipos de preconceito, como o racial, por exemplo, são facilmente condenados pela sociedade.”

O lingüista ressalta que esse estudo é importante para romper com o senso comum, em que prevalece a idéia de que o idioma é um instrumento de comunicação sem implicações sociais e ideológicas. “A língua é, possivelmente, a melhor instância que constrói e veicula os preconceitos e intolerâncias”, completa.

Mariana Benjamin
Ciência Hoje On-line
29/01/2007