Todo o poder dos dados

Durante a pandemia de covid-19, escolas e universidades não titubearam em adotar o ensino remoto via plataformas como Zoom, GoogleClassroom e Microsoft Teams, entre outras. Para muitos pareceu uma solução natural, mas Marcos Dantas, professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), tem uma leitura diferente. “Poderíamos ter usado uma solução brasileira como a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), mas cada universidade, faculdade e escola, ou ainda, cada professor ou professora saíram à cata de soluções prêt-à-porter. Com isso, continuamos o fornecimento de dados para a economia e para o Estado estadunidense: dados sobre nossos jovens estudantes, isto é, ainda mais dados sobre o nosso futuro para além da montanha que já possuem”, comenta. Nesta entrevista, ele fala da importância de se discutir propostas políticas que limitem o “imenso poder que as plataformas detêm sobre todos nós”. “Para fazermos nossas atividades na internet, dependemos de empresas comerciais que oferecem inúmeros serviços aparentemente muito úteis em troca dos quais ‘pagamos’ com os nossos dados. É preciso regular as plataformas sociodigitais, sobretudo essas que exercem um poder quase monopolístico nesse mercado: Google, Facebook, Amazon, Apple, Uber e algumas outras”.    

CIÊNCIA HOJE: É seu costume fazer um paralelo entre a popularização do rádio e da internet para explicar o atual “capitalismo de vigilância”. Pode falar sobre isso? 

MARCOS DANTAS: Nas duas primeiras décadas do século 20, o rádio – primeiro meio eletroeletrônico de comunicação de massas – era acessível a qualquer pessoa e podia ser usado para falar e ouvir ao mesmo tempo. Milhões de pessoas entregavam-se a essas atividades amadoras de emitir e receber mensagens de voz sobre variados assuntos. Essa experimentação social atraiu o interesse do chamado “mercado” e dos Estados nacionais. Assim, na segunda metade da década 1920, EUA, Reino Unido, Japão e demais países adotaram regulações que moldaram a radiodifusão como a conhecemos hoje. O acesso ao espectro de frequências passou a ser condicionado a outorgas do Estado. E nos equipamentos vendidos ao público em geral, os aparelhos de rádio como conhecemos, somente era possível escutar, não mais falar. A radiodifusão tornou-se um sistema ponto-multiponto ou ponto-massa. Nos EUA, esse sistema foi entregue à exploração comercial e formaram-se redes oligopolísticas de radiodifusão: NBC, ABC e CBS. Na Europa, no Japão e na nascente URSS, os sistemas foram monopolizados pelos Estados nacionais.

Valquíria Daher

Jornalista
Instituto Ciência Hoje/RJ