Proteína associada ao câncer

A descoberta de uma nova função para uma proteína que tem papel essencial no processo de divisão celular pode ajudar os pesquisadores a entender melhor o aparecimento de tumores cancerosos. A proteína Orc1 faz parte de um complexo que sinaliza o momento ideal para que o genoma comece a se duplicar. Agora um estudo brasileiro mostrou que ela também é responsável por regular a duplicação de organelas que ajudam a célula a se dividir corretamente.

O estudo foi realizado pela geneticista brasileira Adriana Hemerly, do Laboratório de Biologia Molecular de Plantas do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em colaboração com o Laboratório de Cold Spring Harbor, em Nova York. Os resultados foram publicados na última edição da revista Science.

No processo de divisão celular normal (à esquerda), a proteína Orc 1 é responsável por regular a replicação dos centrossomos (moléculas vermelhas e verdes), para que apenas dois se formem em cada ciclo. Quando não há esse controle (à direita), os centrossomos se multiplicam excessivamente, o que é um indício da formação de células cancerosas (imagem: Adriana Hemerly).

No início do ciclo de divisão celular, as proteínas do chamado Complexo de Reconhecimento da Origem (ORC, na sigla em inglês), localizadas dentro do núcleo da célula, autorizam a duplicação do DNA quando detectam as condições mais favoráveis para o processo. Hemerly descobriu que, em seguida, a proteína Orc1 sai do núcleo celular e limita a replicação dos centrossomos a apenas dois. Essas organelas fazem com que o material genético, após sua duplicação, seja dividido igualmente entre as duas células-filhas geradas pela divisão celular.

Segundo Hemerly, já existia a hipótese de que as proteínas do ORC também teriam algum papel no funcionamento dos centrossomos, pois uma delas já havia sido identificada nessa organela. “O centrossomo tem uma função muito importante, mas ninguém sabia como ele se duplica apenas uma vez”, afirma. “Eu testei todas as proteínas do complexo e descobri que a Orc1 é a responsável por inibir a multiplicação excessiva dessas organelas.”

Testes in vitro
Durante os testes, realizados em células humanas in vitro, a geneticista eliminou a produção de cada uma das proteínas do complexo ORC por meio de um mecanismo que inibe a expressão do gene responsável por elas. Quando a Orc1 foi eliminada, ao invés de apenas um, a célula passou a ter vários centrossomos. “Essa proteína tem duas ações inversas: dentro do núcleo, ela permite a duplicação do DNA; e fora dele, bloqueia a multiplicação dos centrossomos”, explica.

Em uma segunda fase de testes, a pesquisadora estimulou células humanas in vitro a multiplicarem o centrossomo inúmeras vezes. Então, aplicou nessas células grandes quantidades de Orc1. A proteína bloqueou completamente a multiplicação excessiva dos centrosomos, que se limitaram ao número correto de dois na célula.

Células cancerosas
No caso de células cancerosas, acontece uma multiplicação descontrolada dos centrossomos, que normalmente gera muitas células-filhas, em vez de apenas duas. As células formadas são consideradas doentes, pois a divisão do material genético entre elas acontece de forma irregular e aleatória.

“Não se sabe se esse fenômeno é a causa do câncer, mas, com certeza, ele é responsável por potencializar a doença”, afirma Hemerly. “O maior número de centrossomos é um indício da existência de células cancerosas, por isso, essa é uma das formas de se diagnosticar a doença.”

Segundo a geneticista, alguns estudos mostram que drogas usadas em tratamentos de quimioterapia, apesar de impedirem que as células se dividam, aumentam o número de centrossomos. “Acredita-se que esta possa ser uma das causas do retorno da doença de forma muito mais agressiva após alguns tratamentos de quimioterapia”, explica. E completa: “Saber se a substância causa esse aumento de centrossomos pode ser uma forma de atestar sua adequação ao tratamento.”

Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
10/02/2009