Quebra de paradigma

Uma descoberta surpreendente feita pela equipe de um biólogo brasileiro mostra que influências externas – como a realização de exercícios físicos – estimulam a variação na composição dos genes neurais e que doenças como autismo e esquizofrenia podem estar relacionadas com essa variabilidade. A descoberta vai de encontro à noção de que o meio não influencia na composição de nossos genes e corrobora um trabalho anterior da equipe, que determinou a singularidade genética dos neurônios.

Hipocampo com um neurônio verde que sofreu inserção do gene LINE modificado para expressar uma proteína verde fluorescente.

O grande responsável pela variação genética neural é um tipo de gene chamado LINE , que tem a capacidade de, literalmente, pular para diferentes partes do genoma humano, durante a diferenciação das células-tronco em neurônios. A sua atuação foi identificada pela equipe de Alysson Muotri, do Instituto Salk para Estudos Biológicos em La Jolla, EUA, e a descoberta foi publicada em junho de 2005 na revista Nature . Os resultados mais recentes da pesquisa foram apresentados por Muotri na 21ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), em Águas de Lindóia, São Paulo.

“A vantagem de uma diversidade neural maior é o aumento na capacidade cognitiva. É a singularidade de cada neurônio que garante a nossa individualidade”, explica Alysson Muotri. Essas variações ocorrem a todo o momento numa parte do cérebro chamada de hipocampo (responsável por armazenar boa parte da nossa memória), onde são gerados novos neurônios continuamente. “Quando um pedaço de gene entra no genoma, fica lá para sempre, ou seja, é formada uma ‘cicatriz’ para cada tipo de ambiente que você se expõe”.

Influência do ambiente
Mas como o ambiente atua nesse processo? Resultados mais recentes da equipe mostram que os camundongos que se exercitam mais têm a produção de neurônios aumentada e é nessa hora que os LINEs ‘pulam’ mais. Esses dados – ainda não publicados – foram apresentados na conferência de Muotri na reunião da Fesbe.

“Agora, criamos camundongos transgênicos para ver o que acontece quando esses ‘saltos’ são bloqueados ou induzidos”, revela o biólogo. “O excesso de ‘pulos’ pode criar uma série de neurônios com variabilidade extra que podem apresentar atividade cerebral anormal semelhante à dos pacientes com esquizofrenia e autismo. Já nos camundongos que tiverem o mecanismo bloqueado pode haver uma redução na variabilidade cognitiva, ou seja, eles podem ficar mais parecidos entre si”.

Autópsias do cérebro de indivíduos autistas e esquizofrênicos já indicaram que essas células apresentam atividade extra de ‘genes saltadores’. Caso isso se comprove, podem ser criadas novas terapias contra essas doenças. Mas como detectar esses distúrbios em camundongos? O biólogo explica algumas técnicas que avaliam a interação social de animais. “Quando colocado num espaço amplo com comida no centro, o camundongo ‘normal’ corre para o centro, come e retorna para o canto. O ansioso, de tanto medo, não sai do canto e prefere passar fome. Já o autista não se importa em ficar lá no meio um tempão”.

Células-tronco
O primeiro passo para os testes em primatas é o cultivo de células-tronco. Muotri afirma que poderão ser feitos mais testes quando descobrirem uma substância injetável que interfira nesses ‘saltos’, trabalho que já está sendo investigado por colaboradores. Porém, sonha com um dia em que poderá ser feito um projeto genoma inteiro para cada neurônio. “Assim, identificaremos cada inserção diferente de gene entre neurônios vizinhos. Esse é o caminho”.

Essas descobertas trazem preocupações com relação ao futuro da aplicação das células-tronco no reparo de células cerebrais. “Os cientistas tentam diferenciar as células-tronco em neurais para repopular neurônios lesados por doenças como Parkinson ou Alzheimer, mas existem 100 mil tipos diferentes de neurônios”, conta Muotri. “Antes, precisamos entender como os ‘genes saltadores’ funcionam e tentar induzi-los a se transformar no tipo de neurônio desejado. Acho que isso é possível, mas deve levar uns 10 anos até termos essa terapia em mãos”.

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
05/09/2006