Quem tem medo do FMI?

 

É quase regra ao se falar do Fundo Monetário Internacional (FMI) relacioná-lo à dívida externa e ao desequilíbrio crônico das contas públicas. Invariavelmente, essa associação atribui a crise ao fundo e a suas regras de comportamento econômico.

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Sede do FMI em Washington (EUA). Fotos: reprodução

 

“Essa visão precisa ser corrigida”, defende o cientista político e diplomata Paulo Roberto de Almeida. Ele acaba de publicar um artigo que mostra, sob uma perspectiva histórica, que a ‘demonização’ do Fundo é muitas vezes fruto de argumentação demagógica. Publicado na primeira edição da revista eletrônica História Hoje , o artigo aborda o relacionamento do Brasil com o FMI de 1944 a 2002.

Concebido inicialmente para promover a estabilidade econômica dos países afetados pela Segunda Guerra Mundial, o Fundo hoje tem a função de socorrer nações em dificuldades financeiras e avalizar empréstimos internacionais. Embora o Brasil estivesse representado nas reuniões que instituíram o fundo, em 1944, a primeira rodada de negociações para obtenção de um empréstimo para o país só ocorreria em 1958.

 

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Juscelino Kubitscheck de Oliveira
governou o Brasil entre 1956 e 1961

Sob o governo JK, as negociações pouco evoluíram e logo foram interrompidas. Em defesa ao ‘plano de metas’ prometido em campanha, que incluía a construção de Brasília, JK e sua equipe não aceitaram adotar as políticas públicas requeridas para a autorização de um empréstimo.

 

Com o abuso de emissões de moeda e pedidos de financiamento, JK aumentava o déficit público a patamares inéditos e, assim, contrariava todos os princípios de condução econômica defendidos pelo FMI. “Brasília foi construída sem orçamento, à margem do orçamento e contra o orçamento”, ironiza Almeida ao comentar o projeto.

“Para justificar sua política arriscada, Juscelino acusou o Fundo de querer ‘sufocar’ o Brasil”, lembra o diplomata, que aponta o episódio como o início da demonização do FMI. Em defesa de seus grandes projetos estatais, o governante teria impulsionado a espiral inflacionária e o descontrole orçamentário que marcariam o início dos anos 1960.

Nascia uma nova mentalidade que, segundo Almeida, persiste até hoje. Muitos políticos, geralmente ligados a correntes da esquerda nacionalista, ainda encampam as palavras de ordem cunhadas por JK contra o FMI. Mas “querer ver na ‘imposição’ de regras de política econômica a origem de nossos problemas é fruto de pensamentos mais passionais que racionais”, defende o cientista político. “Tais regras buscam equilibrar as contas de países devedores.”

“Altos e baixos marcam nossa relação com o Fundo”, analisa o diplomata. Os governos da primeira fase do regime militar mostram que uma boa relação é possível. A exemplo do que ocorre atualmente no governo Lula, recomendações do FMI foram fundamentais para a entrada de investimentos externos.

O detalhado painel construído por Almeida em seu artigo apresenta todas as fases dos mais de 50 anos de relações do Brasil com o Fundo e fornece elementos para desmitificá-las. “Espero contribuir para um debate mais objetivo e reduzir a carga de preconceito que acompanha as discussões em torno do tema”, conclui.

 

 

Julio Lobato
Ciência Hoje on-line
22/08/03