Rastros de civilização na Amazônia equatoriana

 

Uma recente descoberta no sítio arqueológico de Santa Ana Florida, na Amazônia ocidental, próximo à fronteira entre o Equador e o Peru, promete mudar a história da ocupação humana na região: arqueólogos encontraram objetos trabalhados em pedra e cerâmica e estruturas em rocha que comprovam a existência, há mais de 4 mil anos, de uma sociedade complexa anterior às ocupações humanas conhecidas ali até então.

Os artefatos foram descobertos em sítios na província de Zamora Chinchipe (sul do Equador), que é coberta por floresta tropical úmida e tem relevo acidentado (foto: F. Valdez/ IRD)

A localização do sítio intrigou os cientistas: ele fica em terras altas, ao pé das montanhas da cordilheira dos Andes, de difícil acesso para o homem. A surpresa maior, no entanto, ficou por conta da datação: o método do carbono 14 indicou que as peças são do ano 2450 a.C. “Ficamos tão espantados que enviamos amostras para outros laboratórios: os resultados foram idênticos”, conta à CH on-line o arqueólogo Geoffroy de Saulieu, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês), integrante da equipe que fez a descoberta.

Esse grupo, formado por pesquisadores do IRD e do Instituto Nacional do Patrimônio Cultural do Equador, estuda há três anos a adaptação e evolução de antigas sociedades em terras tropicais. A equipe escolheu pesquisar a província de Zamora Chinchipe, ao sul do Equador, que ainda é pouco explorada cientificamente.

Essa região, que se estende da base das colinas andinas até a planície amazônica, é íngreme, tortuosa e coberta de floresta tropical úmida, rica em limo e sedimentos. “A natureza dos solos, a espessa cobertura vegetal e o relevo acidentado tornam o ambiente pouco propício à pesquisa”, diz Saulieu. “Para se ter uma idéia, as estradas que levam a essa parte do Equador só existem há 15 anos.”

 

Entre os recipientes encontrados, está um pote em pedra polida gravado com motivos iconográficos complexos característicos de sociedades posteriores à datação dos objetos (foto: Guffroy, Billault, Valdez/ IRD)

Apesar das dificuldades, a equipe identificou vários sítios arqueológicos na região recenseada. O de Santa Ana Florida chamou a atenção porque foram descobertos ali recipientes em pedra polida e cerâmica trabalhados de forma diferente da arte tradicional local e construções em pedra com finalidade cerimonial ou funerária jamais vistos na região.

 

Um pote talhado em rocha bicolor despertou a curiosidade dos pesquisadores por estar gravado com cabeças de felinos, serpentes e condores — esses símbolos representam a floresta tropical úmida e que seria encontrada na arte de civilizações mais tardias.

“Pela sua antigüidade, esse sítio representa sem dúvida a primeira forma de contato estabelecido entre os povos da planície e das terras altas e sugere que o desenvolvimento das primeiras civilizações dos Andes seja reavaliado”, observa Saulieu. Segundo ele, a descoberta pode ser um indício da existência de uma nova grande civilização ou simplesmente da ocupação das terras altas da província de Zamora-Chinchipe por sociedades já conhecidas.

Para tirar essa e outras dúvidas, os pesquisadores buscam novas pistas. “Há três semanas voltamos a escavar nesse sítio e encontramos outro recipiente, um fragmento de crânio humano e algumas pedras azuis, que podem ser turquesa”, conta o arqueólogo. “Aguardamos ansiosos os resultados das novas datações.”

Maria Ganem
Ciência Hoje on-line
07/08/03