Resto precioso

Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil ocupa a quinta posição entre os maiores produtores de resíduos agrícolas, gerando diariamente mais de 170 mil toneladas de produtos sólidos, dos quais mais da metade têm origem orgânica. Para tentar reduzir esse problema, um projeto desenvolvido pela própria Embrapa visa reaproveitar resíduos gerados pela agricultura na fabricação de produtos como embalagens e peças de automóveis.

Para isso, os pesquisadores utilizam a biomassa dos produtos e subprodutos agrícolas, majoritariamente composta por materiais como celulose, colágeno, lignina e outros. Por meio de um sistema conceitual chamado biorrefinaria, muito parecido com o das refinarias de petróleo, eles fabricam produtos semelhantes aos derivados do produto fóssil, como poliéster e polietileno, com a vantagem de serem biodegradáveis e, por isso, gerarem menos impacto ambiental.

“Com esse sistema, a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, do sisal e do algodão, entre outros insumos, gera mais riquezas”

Segundo o pesquisador em nanotecnologia João Paulo Saraiva Morais, da Embrapa, o objetivo principal do projeto é agregar valor a coprodutos e resíduos da agricultura. “Com esse sistema, a cadeia produtiva da cana-de-açúcar, do sisal e do algodão, entre outros insumos, gera mais riquezas do que explorando somente o produto principal. Aumenta, assim, a sustentabilidade da cadeia como um todo”, pontua.

Novas utilidades

Um bom exemplo de reaproveitamento são os resíduos de algodão transformados em nanocristais de celulose. O processo ocorre, inicialmente, com a separação do línter do algodão – fibras curtas que envolvem a semente da planta. Em contato com um ácido, o material é transformado em cristal para ser utilizado na indústria.

Esses cristais estão sendo testados pela Embrapa na fabricação de embalagens e filmes biodegradáveis em substituição ao plástico. Fora do Brasil, já existem patentes de companhias japonesas para sua aplicação em telas de TV e celular. “Os nanocristais de celulose possuem uma resistência mecânica similar à do aço, sendo, portanto, muito resistentes, além de leves”, explica Morais.

Outro vegetal produzido em larga escala no país e que pode ser reaproveitado na indústria é o sisal. Sua fibra pode substituir o plástico, inclusive em peças automobilísticas, ou ser usada para reforçar o concreto na construção civil. Para isso, é necessário separar as fibras mais longas da planta – um processo que também está em desenvolvimento na Embrapa.

Plantação de sisal
A fibra do sisal pode ser reaproveitada na fabricação de peças automobilísticas. (foto: Manoel Francisco de Sousa / Embrapa)

Por fim, a instituição estuda o uso da casca do coco na fabricação de painéis lignocelulósicos, compensados ecológicos usados na fabricação de divisórias, painéis de isolamento acústico e outras aplicações em substituição à madeira.

Atividade promissora

Além de minimizar os impactos ao meio ambiente, iniciativas como essas dão valor àquilo que antes era considerado lixo: os resíduos agrícolas. Dependendo do material e do processo usado, é possível aumentar em cerca de dez vezes o valor do subproduto gerado no processo de reaproveitamento desses restos.

Para Morais, os maiores desafios são iniciar a produção em larga escala e formar pessoas para trabalhar nessa área. “A construção da indústria de biomateriais ainda está no início, mas é promissora no Brasil, onde a agricultura é uma importante atividade econômica, gerando enormes quantidades de biomassa diariamente”, afirma o pesquisador.

Valentina Leite
Instituto Ciência Hoje/ RJ