O texto de Alexander W. A. Kellner intitulado “Antropoceno: ter ou não ter, eis a questão”, publicado na coluna “Caçadores de fósseis” da edição 410 da CIÊNCIA HOJE, apresenta um panorama das discussões atuais relativas ao conceito de antropoceno, partindo de um recente rechaço dessa categoria por uma subcomissão da Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS). O artigo, entretanto, ainda que endosse a inaplicabilidade deste conceito no que diz respeito à escala de tempo geológico, aponta para o fato de que diferentes pesquisadores defendem sua utilização com finalidades políticas.
A atividade aqui proposta visa justamente comparar a visão endossada por Kellner com a de outros pesquisadores, da área das Humanidades, para os quais o termo “antropoceno” aparece como aliado no entendimento de processos históricos que inauguraram novas relações entre as humanidades e o planeta Terra.
A atividade parte de um esforço de diálogo entre duas fontes principais. De um lado, um documento que endossa o recente rechaço do conceito de antropoceno, na perspectiva das geociências (o artigo de Alexander W. A. Kellner presente na edição 410 da Revista Ciência Hoje). De outro lado, um texto de José Augusto Pádua e Victória Saramago (indicado no item “Explore +”), que serve como apresentação a um dossiê da Revista Topoi, no segundo semestre de 2023, e que apresenta um panorama dessa discussão a partir do ponto de vista das Ciências Humanas.
Para tanto, fragmentos do segundo texto devem ser selecionados, ou uma adaptação vocabular deve ser realizada, tendo em vista que a linguagem acadêmica empregada pode ser um dificultador no exercício didático com os alunos. Sugerem-se trechos representativos da discussão aqui sugerida, como:
“Trata-se de um momento de entrada da história humana na dinâmica da Terra e da dinâmica da Terra na história humana. E também, exatamente por conta dessa nova realidade, da necessidade de um diálogo muito mais intenso e criativo entre as ciências naturais e as humanidades. Ou então, indo mais além, do imperativo de construir uma compreensão renovada da condição humana que rompa com as barreiras rígidas entre as diferentes disciplinas e saberes.
Em uma iniciativa que seria impossível em momentos anteriores da história, a agregação desses dados globais, especialmente por meio de tabelas e curvas, permitiu visualizar quantitativamente as enormes mudanças no tamanho da população, no consumo de recursos e no estabelecimento de gigantescos fluxos de matéria e energia que precisam ser movimentados cotidianamente para reproduzir um sistema internacional em intenso processo de globalização.
De maneira geral, os dados revelavam um crescimento considerável das curvas a partir das revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX e uma expansão vertiginosa, com as curvas quase tendendo para a vertical, a partir de 1945/1950. Esse período mais recente passou a ser chamado de “Grande Aceleração” […]. O ponto central da ideia de Antropoceno é que no contexto dessas mudanças, observadas em nível agregado, a ação humana passou a influenciar e modificar as estruturas fundamentais do chamado Sistema Terra […] Dessa maneira, os seres humanos se tornaram pela primeira vez um grande agente geofísico, alterando a própria estratigrafia geológica do planeta.
De toda forma, a despeito de um veredito formal, o conceito de Antropoceno já foi adotado com entusiasmo por inumeráveis espaços de debate acadêmico e político, levando em conta o grande volume de evidências que aponta para o fato de já estarmos vivendo um momento novo e inédito da história humana. Independentemente de o Antropoceno ser aceito ou não no âmbito das ciências geológicas, a magnitude da questão ambiental que ele representa – no sentido amplo da relação com o planeta e seus diversos conteúdos ecológicos – possui o potencial de se tornar a questão central da atual condição humana e dos seus prospectos para o futuro. Ou seja, não mais um problema setorial e sim o centro dramático da nossa posição histórica.”.
A partir da leitura do artigo de Alexander W. A. Kellner em CH 410 e dos trechos selecionados do texto de José Augusto Pádua e Victória Saramago, os alunos deverão debater, com a condução do docente, a seguinte questão: “Ainda que o conceito de antropoceno tenha sido rechaçado do ponto de vista geológico, ele pode ser útil para analisar as atuais encruzilhadas ambientais por que passamos?”
Em seguida a esse debate, propõe-se a construção de uma linha do tempo em que constem as Revoluções Industriais dos séculos XVIII e XIX, a “Grande Aceleração” a partir de 1945/1950 e eventos recentes que denunciem o impacto de ações humanas sobre o planeta, com dados relativos à emissão de gases do efeito estufa, aquecimento global, presença de plástico nos oceanos, eventos extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul etc.
Finalmente, uma reflexão deve ser proposta – possivelmente como atividade avaliativa. Esses impactos sobre a Terra revelam a ação da humanidade em sua integridade ou de setores dessa humanidade? Caso trate-se de setores, quais são as humanidades que não participam ativamente da construção desse mundo que o conceito de antropoceno pretende caracterizar, ou cuja existência constitui efetivamente uma resistência a ele? Grupos como comunidades indígenas, ribeirinhos (ou beiradeiros) e quilombolas podem ser trazidos à tona não apenas como exemplos de possibilidades distintas de relação entre seres humanos e planeta Terra, mas como inspirações a outros futuros possíveis.
PÁDUA, José Augusto; SARAMAGO, Victória. O Antropoceno na perspectiva da análise histórica: uma introdução. Topoi, Rio de Janeiro, v. 24, n. 54, 2023. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/HZsSJNVh6CbQTLzRKNNTWbP/?format=pdf&lang=pt>.
ALVES, José Eustáquio Diniz. Antropoceno: a era do colapso ambiental. Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antônio Ivo de Carvalho – O Think Tank de Desenvolvimento e Saúde da Fiocruz. Disponível em: <https://cee.fiocruz.br/?q=node/1106>.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São. Paulo: Companhia das Letras, 2019.