Caminhos e descaminhos da democracia no Brasil

Caminhos e descaminhos da democracia no Brasil

Ao longo da História, e mais especificamente da História do Brasil, o discurso anticorrupção diversas vezes foi mobilizado por grupos sociais com o intuito de legitimar um posicionamento político, como uma campanha presidencial ou mesmo um golpe de Estado. Foi assim com a campanha de Jânio Quadros, que pretendia varrer “a bandalheira” do Brasil, com o discurso de legitimação do golpe de 1964, e com a eleição de Fernando Collor de Mello, que se dizia o “caçador de marajás”, por exemplo. 

Essa retórica encontra ecos também em um passado recente: o caminho que levou ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e à eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Esse caminho tem relações evidentes com os movimentos que ficaram conhecidos como “Jornadas de Junho”, em 2013. Mas estabelecer uma relação causal muito direta, como se o sentido das mobilizações de 2013 fosse antidemocrático ou de extrema direita, ou assumir que o sentido “original” dos protestos foi corrompido, são simplificações do complexo processo histórico que vivemos. 

É nessa direção que vai o artigo de Pedro Luiz Lima, chamado “Caminhos e descaminhos da democracia no Brasil” (CH 399). A proposta desenhada abaixo visa a historicizar o discurso anticorrupção em outros momentos da História do Brasil republicano e debater o sentido das retóricas anticorrupção, antipartidos e antipolítica. 

Possibilidades de abordagem:

  • Caracterizar uma perspectiva diacrônica do uso da retórica anticorrupção como bandeira política no Brasil;
  • Analisar os conteúdos políticos da pauta anticorrupção;
  • Debater os motivos do apelo da postura “antipolítica” das “Jornadas de Junho”;
  • Estabelecer fios de continuidade entre os discursos mobilizados em 2013 e aqueles mobilizados atualmente.

Proposta de atividade:

A aula pode começar com a análise de diferentes fontes históricas em que seja mobilizado o discurso anticorrupção, em momentos históricos distintos. Sugere-se o jingle da campanha de Jânio Quadros, charges legitimando o golpe de 1964 com base na sua alegada luta contra a corrupção, e uma capa da revista “Veja” em que Fernando Collor de Mello era anunciado como o “caçador de marajás”. A partir da análise dessas fontes, deve-se solicitar aos estudantes que as comparem, identificando eixos em comum e diferenças também. 

A identificação da força política do discurso anticorrupção deve ser relacionada aos contextos recentes da política brasileira, identificando 2013 como um momento chave. Pode ser solicitado aos estudantes que tragam para o próximo encontro fontes relativas às “Jornadas de Junho”: reportagens escritas, reportagens em áudio e vídeo, fotografias, depoimentos. Outra estratégia interessante é solicitar que eles entrevistem parentes próximos sobre esses movimentos, investigando o que eles se lembram a seu respeito, se eles participaram deles ou não, e qual a memória (positiva, negativa, ambígua) que foi construída. 

Quando os estudantes trouxerem esse material de volta para a classe, talvez alguns dos eixos de interpretação elencados pelo autor do artigo, Pedro Luiz Lima, apareçam: as “Jornadas de Junho” como conspiração internacional; como mobilizações espontâneas capturadas pela grande mídia; como um movimento democrático que se desvirtuou; como um processo que, desde o início, já deixava entrever aspectos antidemocráticos; ou podem ainda aparecer memórias laudatórias a esses eventos justamente pelo viés conservador que se consolidou após o seu acontecimento.

Após a identificação dessas interpretações, um debate pode ser conduzido a partir da caracterização que Pedro Luiz Lima faz a respeito do sentimento anticorrupção como “vago, genérico e suscetível a manipulações de toda ordem”, ao qual se associaram sentimentos antipartidários e, mais genericamente, antipolíticos. A pergunta que pode motivar o debate final é: de que maneira esse discurso antipolítico pode desaguar em discursos e ações antidemocráticas?

Recursos utilizados:

  • Material impresso ou exibido em data show com charges de 1964 e com a capa da revista “Veja” sobre Collor;
  • Reprodução em áudio do jingle de Jânio Quadros;
  • Cópia do artigo de Pedro Luiz Lima intitulado “Caminhos e descaminhos da democracia no Brasil” (CH 399), que pode ser trabalhado com os alunos em sua integridade ou através de uma seleção de trechos que motivem o debate.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os expurgos de 1964 e o discurso anticorrupção na caricatura da grande imprensa. Revista Tempo e Argumento, v. 8, n. 18, 2016. Disponível em: <https://www.redalyc.org/journal/3381/338147802003/html/>.

RÁDIO CÂMARA. Jânio Quadros é eleito, com promessa de acabar com a corrupção. Programa radiofônico de 07’21”. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/radio/programas/274656-janio-quadros-e-eleito-com-promessa-de-acabar-com-a-corrupcao-7-21/>. 

MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Novo ator político aparece em cena: cresce a popularidade de Fernando Collor de Mello, o “caçador de marajás”. Disponível em http://memorialdademocracia.com.br/card/novo-ator-politico-aparece-em-cena