No ano de 2024, o golpe militar que inaugurou um período de 21 anos de ditadura no Brasil completa 60 anos, motivo pelo qual muitas atividades de memória estão sendo programadas, na esteira do lema “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”. Diversas atividades em sala de aula podem ser realizadas como parte dessa rememoração crítica, independentemente dos conteúdos apontados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ano escolar dos estudantes. 

Isso porque vários temas que podem ser suscitados no debate sobre a ditadura militar são fundamentais para a compreensão de outros períodos da história do Brasil e do mundo, como: a constância do autoritarismo na história nacional; a intervenção das forças militares na vida civil do país; a concentração de terras e o poder político das elites rurais; o avanço sobre as terras indígenas; a busca de uma modernização econômica conservadora nos costumes e mantenedora de privilégios de raça e classe; a marginalização da comunidade LGBTQIAPN+…

O artigo de Gilberto Hochman intitulado “Dores e solidão no exílio: cartas de cientistas perseguidos pela ditadura militar” e publicado na CH 406 permite que façamos uma reflexão sobre uma experiência recorrente durante a ditadura militar, a experiência do exílio, através de um acesso privilegiado à intimidade dos exilados que as correspondências pessoais permitem. Além disso, por se tratar de uma correspondência entre cientistas, essa documentação permite trabalhar a politização da ciência realizada tanto pelos pesquisadores que buscavam continuar produzindo mesmo em tempos de repressão quanto pelo Estado brasileiro, que buscava justamente censurar a atividade científica e seus realizadores.

Propõe-se uma atividade que gira em torno de três palavras-chave: ciência, exílio e subjetividade. A atividade pode começar com uma leitura do artigo de Gilberto Hochman, direcionada pelo docente. Após essa etapa, um debate deve ser conduzido com os estudantes, podendo ser orientado pela construção de nuvens de palavras.

A partir de “ciência”, os estudantes poderão refletir sobre os momentos em que a ciência foi politizada ao longo da história (por exemplo, a pandemia de Covid-19, o contexto de construção da bomba atômica, ou o racismo pseudocientífico dos séculos XIX e XX). Através desse debate, podemos refletir sobre o próprio fazer científico, compreendendo que, por mais objetivo que ele se pretenda, ele sempre reflete as questões e os debates políticos de uma época. Podemos ainda pensar nos motivos que levaram à cassação e ao exílio de cientistas pela ditadura militar, perguntando-nos: qual a ameaça que eles representavam? 

A partir de “exílio”, propõe-se a identificação de processos de exílio (temporário ou permanente) na história do Brasil e do mundo, podendo ir desde a diáspora africana até as perseguições nazistas, os expurgos de Stálin e os processos contemporâneos de imigração na Europa ou nas Américas.

Finalmente, como culminância dessas reflexões, os estudantes deverão considerar a produção de cartas como um espaço privilegiado de acesso à subjetividade, particularmente no que diz respeito a pessoas que sofrem as consequências de perseguições autoritárias. Eles deverão escolher alguém que nesse momento passa por essa situação e escrever uma carta para essa pessoa, refletindo sobre os seus sentimentos, as suas vivências, os impactos do autoritarismo na rotina da pessoa, nas suas práticas diárias, nos seus sonhos, nas suas esperanças. 

A pessoa a ser escolhida pode ser, por exemplo, um refugiado de um governo autoritário, ou um morador de uma região periférica das grandes cidades que sofre com ações policiais abusivas, um membro da comunidade LGBTQIAPN+ que vive em um contexto de repressão, uma mulher que têm seus direitos políticos e civis sistematicamente ameaçados ou violados.

Havendo a possibilidade, essas cartas podem ser enviadas para as pessoas escolhidas (de forma física ou virtual), iniciando um processo de troca que pode gerar bons frutos a médio e longo prazo.