Sangue e blues: o que ‘Pecadores’ diz sobre o racismo

NA TELA
Sangue e blues: o que ‘Pecadores’ diz sobre o racismo

Setor Curricular de História
Colégio de Aplicação da UFRJ

O filme “Pecadores”, de Ryan Coogler, utiliza-se do terror e da figura dos vampiros para fazer uma grande alegoria sobre a história racial estadunidense, com foco nos grupos afro-americanos, mas passando também por grupos asiáticos, indígenas e imigrantes de minorias europeias. A partir desse filme, comentado na seção “Na Tela” de CH 423, é possível realizar uma série de reflexões em sala de aula, mas é importante atentar para o fato de que há cenas fortes. O filme tem classificação indicativa de 16 anos, mas mesmo que a turma em que a atividade será realizada tenha a totalidade de seus estudantes acima dessa faixa etária, uma seleção de cenas é necessária para adequar a proposta à sensibilidade de cada um.

Possibilidades de abordagem:

  • Examinar as dinâmicas da segregação racial nos Estados Unidos, comparando-as à realidade brasileira; 
  • Analisar as diversas formas através das quais a ancestralidade africana está presente na cultura e nas tradições do continente americano, com foco na música e na religiosidade;
  • Debater os diferentes significados da palavra “liberdade”, à luz dos grupos historicamente marginalizados por conta da violência colonial.

Proposta de atividade:

A atividade deve se iniciar com uma apresentação do filme e do seu diretor, informando em linhas gerais a sinopse da história. Em seguida, uma seleção de cenas deve ser apresentada, a partir da qual uma série de discussões pode ser realizada. Sugerem-se algumas cenas: 

  • a cena de apresentação inicial, sobre o papel dos fili na Irlanda antiga, dos “guardiões do fogo” entre os indígenas Choctaw, e dos griots na África Ocidental; 
  • a cena dos irmãos Fumaça e Fuligem comprando uma serraria no Mississipi para construir um juke joint (um local de música, dança, bebida e jogos, comum nos bairros negros do sul dos Estados Unidos), e em seguida avisando ao antigo proprietário que se os “seus amigos” da Ku Klux Klan tentassem invadir a propriedade eles seriam mortos;
  • a cena em que Fumaça vai à cidade comprar o que é necessário para a abertura do estabelecimento em uma loja de proprietários de família chinesa, em cuja rua a segregação racial entre brancos e não brancos é evidente;
  • a cena em que o músico Delta Slim conta a história de quando foi preso por vadiagem com um amigo, acabou fazendo um concerto para um grupo de brancos e seu amigo terminou sendo linchado por membros da Ku Klux Klan;
  • o diálogo de Fumaça com sua esposa Annie, em que aspectos da religiosidade afro-americana são discutidos;
  • a cena em que um grupo de indígenas Choctaw persegue um homem branco (que depois se revelará um vampiro) e avisam a uma família que faz parte da Ku Klux Klan do perigo que estão correndo; 
  • a discussão entre Fumaça, Fuligem e Annie, no juke joint, a respeito da possibilidade ou não de se aceitar as moedas de madeira das plantações como dinheiro legítimo no pagamento do estabelecimento; 
  • a conversa entre Mary e Sammie, em que esta revela ser de uma família interracial, mesmo que ela tenha passabilidade branca; 
  • a cena em que um grupo de irlandeses (na verdade vampiros) tentam entrar no juke joint, mas, para isso, têm que ser convidados, e não conseguem;
  • a cena em que Sammie toca no juke joint, e os fantasmas do passado e do futuro aparecem para dançar com ele;
  • a conversa entre Bo Chow, Grace Chow e o vampiro Remmick, em que Bo (transformado em vampiro) tenta convencer sua esposa a sair do juke joint, e o vampiro Remmick diz que eles são a saída para o grupo acuado, porque na sociedade racista dos EUA, tanto negros quanto chineses são impedidos de construir e de confraternizar, e que é isso que eles farão para sempre quando forem transformados em vampiros; 
  • a cena em que Fumaça mata os membros da Ku Klux Klan, morre e se encontra novamente com Annie e sua filha; 
  • o diálogo final entre Sammie e o casal Mary e Fuligem (transformados em vampiros), em 1992, em que a ideia de liberdade para minorias raciais é discutida. 

A partir dessas cenas, muitos temas podem ser debatidos: o papel dos griots na preservação da memória e da tradição na África Ocidental; as leis de segregação no sul dos Estados Unidos, o surgimento da Ku Klux Klan e as práticas de linchamento; ritmos como o blues (mas também o rock and roll e o hip hop) como formas de resistência cultural, e a importância de espaços de confraternização como os juke joints; a presença da religiosidade africana no continente americano (o filme faz referência ao culto de Voduns e Orixás, também presentes no candomblé de nações Jeje e Ketu, respectivamente, no Brasil); as permanências da escravidão nas fazendas de algodão do sul dos Estados Unidos, com seus empregados recebendo em vales, não em dinheiro de verdade; as dinâmicas da segregação nos Estados Unidos, e suas diferenças em relação ao caso brasileiro; a relação entre ancestralidade, música e tradições de matriz africana. 

Sugere-se ainda uma reflexão: o que os vampiros podem significar no filme? Eles podem ser interpretados como uma alegoria da violência colonial, mas a fala de um dos vampiros também traz a ideia de que a morte (transformação em vampiro) traria a verdadeira libertação dessa mesma violência colonial. 

Como trabalho final, pode ser solicitado aos estudantes que eles criem, individualmente ou em grupo, narrativas de vampiros que ajudem a contar a história de grupos marginalizados da história do Brasil, usando a trajetória do filme como modelo.

Recursos utilizados:

  • Equipamento de exibição audiovisual para a projeção das cenas selecionadas do filme; 
  • Quadro branco ou negro para registro das palavras-chave do debate;
  • Papel, lápis e caneta ou ambiente virtual para a produção da narrativa escrita. 

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SANTOS, Raphael. Pecadores – não é sobre vampiros. Vídeo do canal “PH Santos”, disponibilizado na plataforma Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FtaPg_A3JUY.  Acesso em agosto de 2025.