Secas e cheias da Amazônia podem ser previstas



Cheia do rio Solimões em 1999 (foto: Inpa).

Um modelo matemático que prevê quantos metros as águas do rio Solimões vão subir ou baixar foi desenvolvido no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O método permite prever essas variações com até 50 cm de erro em 85% dos casos e deve ajudar a minimizar os transtornos causados pelas secas e cheias desse rio.

“No ano passado previmos que a água baixaria 14,65 metros. Erramos por apenas quatro centímetros, uma diferença pouco significativa”, contou à CH On-line o cientista florestal Jochen Schöngart, que há um ano e meio desenvolve o modelo no Inpa. “Agora prevemos que a próxima cheia será de cerca de 29 metros, por causa do fenômeno climático La Niña”.

O modelo consiste em uma série de equações matemáticas que levam em conta parâmetros climáticos associados aos ciclos de cheias e secas do Solimões. Essas variações são muito influenciadas por fenômenos climáticos como o aquecimento ou esfriamento das águas dos oceanos. No caso do médio e baixo Solimões, a altura do rio está diretamente ligada aos fenômenos El Niño e La Niña – que correspondem, respectivamente, ao aquecimento e esfriamento das águas do oceano Pacífico.

Segundo Schöngart, a idéia de fazer o modelo surgiu quando ele percebeu que os anéis de crescimento das árvores em áreas alagáveis mudam de acordo com a intensidade das cheias. Esses anéis se formam no interior do tronco das árvores e indicam sua idade – cada anel corresponde a um ano – e suas condições de desenvolvimento, seja com relação ao clima ou à oferta de nutrientes, por exemplo. A largura dos anéis de muitas espécies arbóreas da Amazônia corresponde à duração do período não inundado (fase terrestre), porque é nessa época que as árvores crescem.

El Niño e enchentes
“Nossa pesquisa indicou que em anos de El Niño as árvores formam um anel mais largo que em outros anos”, explicou o pesquisador alemão, que trabalha no Brasil há oito anos. “Isso acontece porque nesses anos há menos precipitação e o rio demora mais a encher, o que dá mais tempo para as árvores crescerem”. Após considerar o comportamento das árvores num período de mais de 200 anos, foi possível reconstruir o fenômeno nos últimos dois séculos e estabelecer uma relação entre o El Niño e o nível das águas.

Além da observação desses anéis, o modelo é alimentado com dados como a oscilação no nível da água no porto de Manaus, que corresponde às variações sazonais das chuvas. Esses dados são coletados desde 1903 e, por isso, foi possível desenvolver um modelo confiável.

Schöngart afirma que a previsão das cheias pode ser feita em fevereiro, com quatro meses de antecedência, e a das secas em agosto, dois meses antes da época de estiagem. “Essas previsões são importantes porque viabilizarão o controle dos ritmos de crescimento e das atividades econômicas da região. Além disso, em caso de grandes secas ou cheias severas, planos de emergência poderão ser feitos para que a população não sofra”.

A exploração madeireira é um bom exemplo de como a previsão pode ser benéfica à população, porque o transporte da madeira derrubada é feito através das cheias do Solimões. “A população não sabe a hora de começar a derrubada das árvores e se estas áreas realmente vão alagar o suficiente para o transporte”, explica Schöngart. “Se não houver alagamento, não há como transportar a madeira e todo o trabalho se perde, porque esse produto apodrece facilmente.” 

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
17/04/2006