Sentinelas do mar

Os botos-cinza são animais fiéis aos locais onde vivem, o que favorece seu uso no monitoramento ambiental dos mares. Fotos: Leonardo Flach / Projeto Amigos do Boto – Sepetiba, RJ.

Um estudo feito na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra pela primeira vez que os botos-cinza podem ser grandes aliados dos cientistas no monitoramento das condições dos mares brasileiros. A análise dos animais foi usada para apontar os níveis de contaminação por mercúrio nos litorais norte e sudeste do país e revelou que as atividades humanas nessas regiões já influenciam os ambientes marinhos.

Os botos-cinza (Sotalia guianensis), mamíferos da família dos golfinhos, são excelentes indicadores da poluição das áreas em que vivem, pois passam toda a sua vida – cerca de 30 anos – na mesma região, sempre em locais abrigados e próximos à costa. Além disso, a espécie está no topo da cadeia alimentar e, por isso, acumula mais contaminantes em seu organismo do que outros animais.

A contaminação por mercúrio representa uma ameaça não só a espécies marinhas. Em humanos, a absorção do metal pode levar a problemas como malformação fetal, lesões hepáticas e enfraquecimento do sistema imunológico.

O estudo, desenvolvido durante o mestrado do biólogo Jailson Fulgencio de Moura, sob a orientação do zoólogo Salvatore Siciliano, da Fiocruz, analisou amostras dos músculos dos botos-cinza. O material foi coletado de 20 animais encontrados encalhados entre as cidades de Saquarema e Quissamã, na Região dos Lagos (Rio de Janeiro), e de 29 animais acidentalmente recolhidos por redes de pesca na região entre o Cabo Orange (Amapá) e a Ponta de Tubarão (Maranhão). As amostras foram analisadas no laboratório da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Segundo Moura, essas áreas foram escolhidas para a análise por sofrerem grande influência dos rios Paraíba do Sul e Amazonas. Em seu percurso, que inclui diversas regiões habitadas, esses rios poderiam receber contaminantes e levá-los para o mar.

Contaminação no sudeste

Análises de amostras dos músculos de botos-cinza apontam contaminação por mercúrio no litoral do Rio de Janeiro, mas os níveis do metal são baixos e ainda não afetam a vida dos animais marinhos.

Os resultados do estudo indicam que as atividades econômicas na região sudeste já influenciam a vida marinha no litoral fluminense. Os animais apresentaram em média 1,07 microgramas de mercúrio por grama de tecido (µg/g). Embora não seja alarmante, esse valor mostra que o metal está sendo levado para o mar.

Para o biólogo, o mercúrio encontrado pode ser decorrente de produtos usados na indústria e na agricultura da região. “Parte dessa contaminação pode ser reflexo do uso de agrotóxicos no plantio da cana-de-açúcar no norte do estado, pois, apesar de já terem sido proibidos, esses compostos permanecem na natureza durante anos”, supõe.

Já no norte do país o pesquisador foi surpreendido pelos baixíssimos níveis de mercúrio encontrados no tecido dos botos-cinza: uma média de 0,38 µg/g. A suspeita de contaminação do litoral dessa região devido às atividades do garimpo no rio Amazonas foi um dos fatores que motivaram o estudo. “Acreditamos que o mercúrio usado no garimpo tenha sido absorvido por sedimentos do rio, já que ele não foi detectado entre as espécies que habitam a foz”, afirma Moura.

O pesquisador ressalta que os níveis de mercúrio no litoral brasileiro ainda são bastante baixos e não afetam os animais marinhos. “O mesmo não acontece no mar Mediterrâneo e no mar do Norte, por exemplo, aonde as concentrações do metal em animais já chegaram a 60 µg/g”, compara.

Moura acrescenta que os dados coletados não são suficientes para uma análise mais ampla da contaminação do litoral brasileiro. “Além disso, não podemos garantir como estarão as condições do ambiente marinho daqui a alguns anos.”

Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
05/06/2009