Sorte dos caçulas

O que você acha de se tornar pai aos 60 anos? Pode parecer um pouco tarde, mas seus descendentes vão agradecer. Uma pesquisa publicada na revista PNAS sugere que quanto mais velho um homem se torna pai, maior é a expectativa de vida de seus filhos e netos. 

Isto aconteceria porque, à medida que o homem envelhece, produz espermatozoides com telômeros cada vez maiores. Os telômeros são estruturas que ficam nas extremidades dos cromossomos e impedem que o DNA se desfaça, como aquele plástico que fica nas pontas dos cadarços de sapatos.

A cada divisão celular, os telômeros das células do corpo se encurtam – somente nos espermatozoides a coisa acontece diferente. Nesse processo natural, alguns genes tendem a ser eliminados, causando a morte da célula e o envelhecimento do organismo.

Todo mundo herda 50% de seus telômeros do pai e 50% da mãe. Se os telômeros paternos são compridos, como tende a ocorrer quando o homem se reproduz tardiamente, mais divisões celulares são necessárias para que eles se encurtem até sumir e desgastar o DNA, ou seja, mais tempo de vida saudável tem o organismo do filho. 

Eisenberg: “Homens que têm filhos mais tarde podem estar presenteando seus filhos com uma vida mais longa”

“Embora ainda seja prematuro afirmar em definitivo, telômeros maiores têm sido associados a uma maior expectativa de vida”, afirma o líder da pesquisa, o antropólogo Dan Eisenberg, da Universidade de Northwestern nos Estados Unidos. “Então, homens que têm filhos mais tarde podem estar presenteando seus filhos com uma vida mais longa.”

Essa ideia, apesar de recente, não é inédita. Desde 2005 trabalhos vêm mostrando que pais mais velhos têm filhos com telômeros mais compridos. No entanto, o estudo é o primeiro a mostrar que a influência dos telômeros paternos é aditiva e ultrapassa gerações.

Telômeros
Os telômeros ficam na extremidade dos cromossomos (em rosa) e impedem o desgaste do DNA que leva à morte celular. Seu encurtamento indica o envelhecimento genético. (ilustração: Sofia Moutinho)

A equipe de Eisenberg mediu o comprimento dos telômeros do sangue de 1.779 jovens filipinos entre 21 e 23 anos e de suas mães, entre 36 e 69 anos. A idade em que os pais e os avós dos jovens se tornaram pais também foi anotada. 

A análise desses dados revelou que a cada ano que os homens (pais e avós) deixaram de ter filhos, o comprimento dos telômeros de sua prole cresceu o equivalente ao que um adulto de meia idade costuma perder de comprimento de telômero a cada ano. 

Os pesquisadores também constataram que o comprimento dos telômeros dos avós e dos pais tem o mesmo efeito sobre o comprimento dos telômeros do filho. “É cumulativo”, explica Eisenberg. “Se o seu avô teve seu pai aos 50 anos e seu pai te teve aos 20, ou o contrário, seus telômeros terão o mesmo comprimento. Sorte de quem tem um pai que se reproduziu tarde e um avô que também se tornou pai tarde.”

Uma questão de evolução?

A constatação do estudo deixa uma dúvida sobre o papel evolutivo desse mecanismo de transmissão dos telômeros. Eisenberg acredita que seus resultados podem explicar o aumento da expectativa de vida humana observada nos últimos séculos. Segundo ele, os telômeros seriam uma forma de os pais enviarem um sinal genético para os filhos avisando sobre as condições de vida de sua geração.

“Se seu pai e seu avô podiam se reproduzir em idade mais avançada significa que é mais benéfico para você investir em uma vida saudável e longa e isso está dito no comprimento dos seus telômeros”, conjectura o pesquisador. “Esse processo é particularmente único porque sugere que o DNA que uma criança recebe pode ser modificado pelo ambiente de seu pai.”

Embora instigantes, as conclusões do estudo devem ser vistas com cautela, defende a especialista em telômeros Maria Isabel Cano, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A pesquisadora aponta que os resultados ainda são muito iniciais e restritos a uma pequena população de filipinos, por isso é cedo para se pensar nas implicações evolutivas do processo.

Cano: “Há muitos outros fatores, inclusive ambientais, como o estresse e o estilo de vida, que estão diretamente ligados ao envelhecimento”

Além disso, Cano lembra que os telômeros não são os únicos indicadores de envelhecimento. “Esse tipo de discussão é muito prematura”, afirma. “Há muitos outros fatores, inclusive ambientais, como o estresse e o estilo de vida, que estão diretamente ligados ao envelhecimento.”

A pesquisadora ressalta ainda que existem estudos que ligam a superexpressão da telomerase, enzima responsável pelos telômeros, ao desenvolvimento de câncer. 

“O comprimento dos telômeros pode estar relacionado à idade de reprodução do pai, mas isso não quer dizer que quem tem telômero maior vai viver mais; a baleia tem o maior dos telômeros entre os mamíferos e nem por isso vive mais que nós”, diz. “Ainda há muito a ser estudado até que tenhamos respostas melhores”.

Panos quentes

Eisenberg reconhece que o fato de ter filho em idade mais avançada pode ter efeitos negativos, como o aumento das mutações do DNA que lhe serão transmitidos, mas, ainda assim, não desencoraja quem quiser se aventurar nessa empreitada. “Os impacto negativos da paternidade em mais idade não estão claros e nosso estudo aponta para algo que pode ser positivo”, argumenta.

Eisenberg: “Os impacto negativos da paternidade em mais idade não estão claros e nosso estudo aponta para algo que pode ser positivo”

Mesmo os impactos sociais da paternidade tardia são relativizados pelo cientista. “As habilidades sociais dos homens melhoram com a idade e as implicações sociais de ter um filho em idade mais avançada variam muito com o contexto cultural e econômico”, diz. 

“Na tradição Ariaal de pastores do nordeste do Quênia, por exemplo, a principal forma de sobrevivência é o comércio de camelos, bodes e ovelhas. Geralmente, os homens têm que ser mais velhos para conseguir juntar muitas cabeças de gado para sustentar sua família. Então, nesse contexto, homens mais velhos são melhores provedores para seus filhos.”

E você leitor, o que acha?

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line