Terapia celular para lábio leporino

 

O Brasil acaba de obter mais um grande avanço na área de terapias celulares. Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) conseguiram, pela primeira vez no mundo, produzir ossos a partir de células-tronco isoladas do músculo do lábio. A técnica poderá ser usada para o tratamento menos invasivo de deformidades no crânio e rosto, como o lábio leporino – fissura no lábio ou no céu da boca.

O uso de células-tronco para gerar ossos usados no tratamento de lábio leporino não é novidade entre cientistas norte-americanos. No entanto, o procedimento adotado por eles é doloroso: são retiradas células da medula óssea por meio de agulhadas na região da bacia do paciente. A nova técnica, desenvolvida pela cirurgiã-dentista Daniela Franco Bueno, sob a coordenação da bióloga Maria Rita Passos, ambas do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, tem por objetivo facilitar o procedimento e reduzir ao mínimo a dor do paciente.

Durante sua pesquisa de doutorado na USP, Bueno acompanhou cerca de 120 bebês, entre três e quatro meses de vida, que se submeteram a cirurgias de reparação de lábio leporino no hospital Sobrapar, em Campinas (SP). Com a autorização dos pais, foi retirado um pedaço do músculo do lábio das crianças, que normalmente é descartado durante a cirurgia. As células-tronco do músculo foram então isoladas e submetidas a um processo de diferenciação em laboratório e, em 21 dias, originaram células ósseas.

Em uma segunda fase, as células-tronco foram implantadas em orifícios feitos no crânio de ratos sobre um suporte composto de colágeno moldado para preencher a fissura. O resultado foi positivo: as células humanas se diferenciaram, se multiplicaram e geraram tecido ósseo. “Ao implantarmos as células-tronco indiferenciadas associadas ao suporte de colágeno no orifício, o próprio corpo sinaliza para que elas virem osso”, explica Bueno.

Tratamento menos invasivo

Osso do crânio de um rato formado a partir de células-tronco humanas. As pequenas manchas verdes fluorescentes indicam os núcleos das células ósseas.

A descoberta será uma alternativa menos invasiva à cirurgia de reparação de lábio leporino. No tratamento tradicional, são necessárias três intervenções cirúrgicas. A primeira, feita aos três meses de vida, e a segunda, aos doze meses, apenas reparam a fissura do lábio e o céu da boca, respectivamente. Já na última, realizada quando o paciente tem entre 8 e 12 anos, é preciso retirar fragmentos de osso da bacia para serem enxertados no rosto. Com a terapia celular, não será necessário fazer o enxerto e a criança receberá apenas o implante de células-tronco, armazenadas desde a época da primeira cirurgia.

“Ao conseguirmos isolar as células-tronco do paciente, armazená-las e depois usá-las para fazer osso, eliminamos completamente a necessidade de remover tecido ósseo de uma região doadora e promovemos o restabelecimento do osso da mesma forma”, diz a pesquisadora.

Embora o foco da pesquisa brasileira seja o tratamento do lábio leporino, essas células também poderão ser usadas para outros fins, como a criação de ossos para suporte de implantes dentários. Mas não se sabe se a técnica servirá para restaurar grandes fissuras ósseas. Por enquanto, ela será usada apenas para pequenas reparações. “Ainda não testamos em animais a produção de ossos longos, mas é provável que se obtenha um bom resultado”, acredita Bueno.

Além de se transformarem em ossos, as células-tronco do músculo que contorna a boca têm potencial para originar tecidos musculares, cartilaginosos e adiposos. A técnica brasileira já está patenteada e a perspectiva é que a terapia seja aplicada em humanos já no início de 2010 no Hospital das Clínicas de São Paulo. Para isso, só falta a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
23/10/2009