Um hominídeo primitivo e isolado

O tamanho diminuto do corpo e da cabeça de um hominídeo que teria vivido há 12 mil anos na ilha de Flores (Indonésia) gerou um debate acirrado entre cientistas desde que seu esqueleto foi descoberto, em 2003. O Homo floresiensis, como foi batizado, era, afinal, uma espécie única do gênero Homo ou apenas um humano moderno com uma doença grave? Dois artigos publicados esta semana na revista Nature sustentam a primeira hipótese, com base na análise do cérebro e dos pés do hominídeo.

Apelidado de ‘hobbit’ por suas características diminutas semelhantes às das criaturas inventadas pelo escritor J. R. R. Tolkien na obra de mesmo nome, o H. floresiensis teria 1,09 m de altura e pesaria 25 kg, tamanho bem menor inclusive que o de pigmeus africanos, considerados um dos menores povos do mundo. Se o corpo do ‘hobbit’ tinha dimensões tão pequenas, seu cérebro era desproporcionalmente menor: tinha cerca de 400g de massa, menos da metade do estimado para o seu possível antecessor, o Homo erectus.

Crânio do Homo floresiensis (à esquerda) comparado ao de um Homo sapiens com microcefalia (à direita). Dois estudos publicados na Nature sustentam que o homem da ilha de Flores não é um humano moderno acometido por essa doença, como sugerem alguns cientistas (foto: Alexandra Anna Enrica van der Geer).

Alguns cientistas defendem que o H. floresiensis seria, na verdade, um Homo sapiens doente – e não uma espécie diferente da nossa. Para eles, o tamanho diminuto do crânio desse hominídeo seria resultado de uma doença chamada microcefalia – um conjunto de fatores que gera uma cabeça muito pequena em relação ao corpo.

Isolamento e nanismo
Um dos artigos agora publicados na Nature, escrito pelos paleontólogos Eleanor Weston e Adrian Lister, do Museu de História Natural de Londres (Inglaterra), sugere uma nova hipótese: o cérebro pequeno do H. floresiensis seria consequência do isolamento desse hominídeo na ilha de Flores.

Para chegar a essa conclusão, Weston e Lister analisaram casos de nanismo em animais reclusos em ilhas, como duas espécies de hipopótamos pigmeus da ilha de Madagascar, na África, recentemente extintos. Segundo os autores, os cérebros desses hipopótamos são desproporcionalmente pequenos em comparação ao seu corpo – 30% menores do que o previsto em situações tradicionais de nanismo insular. “Acreditamos que o processo de nanismo insular de grandes animais – e não uma patologia – possa explicar o cérebro pequeno do ‘hobbit’”, afirma Weston à CH On-line.

Mas o que poderia causar essa diminuição de massa cerebral desproporcional ao nanismo corporal? “O cérebro é um órgão metabolicamente caro”, explica Weston. “Poderia ser vantajoso para algumas espécies ter o tamanho do cérebro reduzido se elas tivessem que sobreviver em uma ilha com recursos limitados”, completa. 

Hobbit de pés grandes
Já o outro estudo recém-publicado, realizado pelo antropólogo William L. Jungers e seus colegas da Universidade Stony Brook, em Nova Yorque (EUA), focou-se nos pés do H. floresiensis. A análise dos ossos mostrou que, embora tenha elementos comuns aos do homem moderno – o bipedismo e os polegares opositores –, os pés do H. floresiensis são mais diferentes dos nossos do que se imaginava.

A comparação do pé esquerdo do H. floresiensis (no alto) com sua tíbia direita – um dos ossos da canela – (embaixo) evidencia o tamanho avantajado dos pés desse hominídeo em relação ao resto de seu corpo (foto: W. Jungers).

Os pés do ‘hobbit’ são longos e chatos e o polegar é menor do que os outros dedos, que são compridos e curvados. “Já os humanos modernos têm os pés menores e arqueados, com dedos curtos e retos”, explica Jungers à CH On-line. “Por isso, embora essa estrutura funcionasse para andar, o ‘hobbit’ provavelmente não conseguia correr direito.”

Segundo o antropólogo, essas características também indicam que o ancestral mais provável do H. floresiensis não foi o H. erectus, como sugerem outros cientistas. “É mais plausível que seu ancestral seja um hominídeo ainda mais primitivo, cuja dispersão pelo sul da Ásia ainda não foi documentada”, conta Jungers no artigo.

Primitivo ou nanico?
Para Eleanor Weston, autora do primeiro artigo, o estudo de Jungers não considera o processo de nanismo insular, que também pode resultar na evolução de características primitivas. “É possível que a hipótese de que o H. floresiensis seja um H. erectus diminuído explique algumas das características descritas por esses cientistas”, pondera.

Jungers, entretanto, mostra-se cético em relação à teoria de Weston: “É possível que o isolamento e o nanismo tenham contribuído para a emergência do ‘hobbit’. Mas o nanismo insular deveria ter sido acompanhado por evoluções de características primitivas demais, dos pés à cabeça.” Para o antropólogo, a hipótese mais plausível é que um hominídeo menor e mais primitivo que o H. erectus tenha dado origem ao H. floresiensis.

Apesar das divergências, Weston e Jungers concordam que o H. floresiensis é, de fato, uma espécie distinta, e não um humano moderno acometido por doenças. “Nenhuma patologia explica a anatomia do H. floresiensis”, comenta Jungers. “Eles são uma espécie nova e fascinante.” Os autores ressaltam que agora será preciso realizar mais estudos para saber quem tem razão sobre o surgimento dessa espécie.

Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
07/05/2009