Uma década fora da órbita

Em agosto de 2003, o então crescente sonho aeroespacial brasileiro foi consumido pelas chamas. Um acidente destruiu a terceira versão do Veículo Lançador de Satélites (VLS) três dias antes de seu lançamento na base de Alcântara, no Maranhão, e deixou 21 mortos, entre técnicos e engenheiros. Exatos dez anos depois, o Brasil ainda se recupera da tragédia e se prepara para tentar dar novos passos na conquista do espaço. Embora tenha planos ambiciosos para o futuro, o país ainda sofre com falta de verbas, de mão de obra e de integração entre todas as entidades civis e militares que atuam na área.  

Segundo o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Raimundo Coelho, o acidente de 2003 levou a uma reavaliação de todo o programa espacial do país. “O que aconteceu foi um processo natural sempre que ocorre uma situação como essa: é preciso investigar cada aspecto, revisar cada detalhe, para encontrar as falhas”, explica. A investigação do acidente, que teve participação de uma consultoria russa, chegou à conclusão de que o acúmulo de problemas de segurança ao longo do tempo e a escassez de recursos humanos e materiais foram os principais fatores envolvidos no ocorrido. 

Acidente de Alcântara
Explosão na base de Alcântara matou 21 pessoas e atrasou programa brasileiro. Investigações mostraram acúmulo de falhas por falta de recursos humanos e materiais e serviram para reorientar projeto do VLS. (imagem: Wikimedia commons)

Com base nisso, a infraestrutura da base foi completamente reformada. Uma das maiores mudanças é a nova torre de lançamento do programa VLS. “Ela foi totalmente reconstruída, está mais automatizada, com sistemas elétricos atualizados e com os mais modernos procedimentos de segurança”, garante Coelho. “O projeto inclui uma área de fuga, que possibilita a evacuação em caso de alerta, além de ser mais flexível, podendo ser adaptado para o lançamento de foguetes de diferentes portes, dentro de determinada faixa.” Outras áreas, como o centro de controle, também foram aprimoradas. A base já voltou a ser utilizada para lançamentos: em 2010, foi lançado a partir dela o foguete brasileiro de médio porte VSB-30 V07

Enfim, lançadores

Além da reconstrução do sítio de lançamento do VLS, está sendo erguida uma segunda torre, ligada ao projeto da Alcântara Cyclone Space (ACS), empresa pública binacional (brasileira e ucraniana) que pretende lançar satélites por meio do foguete ucraniano Cyclone-4. Ao lado do VLS, esse é o principal projeto do país para o lançamento de satélites. A iniciativa binacional deve ser a primeira a decolar: o Cyclone-4 deve ser lançado a partir do segundo semestre do ano que vem, em data ainda indefinida. 

O VLS, totalmente nacional, também entra em nova fase: deve realizar testes em 2014 e 2015, para enfim colocar um pequeno satélite em órbita em 2017. “Depois do acidente, houve uma revisão completa não só das instalações, mas de todo o projeto do VLS”, explica Coelho. “Por fora ele parece o mesmo, mas foi atualizado.” Antes do acidente com o VLS-3, outras duas versões do lançador também não obtiveram êxito. 

Cyclone-4
Parceria binacional com a Ucrânia pode levar ao primeiro lançamento de sucesso de um satélite a partir da base de Alcântara, com o foguete ucraniano Cyclone-4. VLS brasileiro deve ser o próximo a levantar voo. (imagem: ACS)

Com duas estruturas de lançamento, o Brasil poderá colocar em órbita satélites com até duas toneladas, considerados de porte médio e utilizados para diversas finalidades, como observação da Terra e pesquisa científica. 

“O mercado para essa faixa vem crescendo muito, novas tecnologias têm tornado alguns satélites mais leves”

“O mercado para essa faixa vem crescendo muito, novas tecnologias têm tornado alguns satélites mais leves, por carregarem menos combustível”, analisa Coelho. “O Cyclone 4 poderá ser utilizado, inclusive, para o lançamento do CBERS-4 [Satélite Sino-brasileiro de Recursos Terrestres], planejado para daqui a alguns anos”, avalia Coelho. Fruto de parceria com a China, o projeto CBERS deve lançar seu terceiro satélite ainda neste ano, depois de sofrer atrasos.  

O Brasil estuda ainda o desenvolvimento de outros foguetes, como o VLM-1, capaz de lançar microssatélites de até 100 kg, e o VLS-beta, que terá apenas três estágios (partes independentes cujos propulsores são acionados com o descarte do estágio anterior), com combustível líquido. O VLS tem quatro estágios, todos com combustível sólido. 

Projetos ambiciosos

O planejamento da AEB é tornar o Brasil um competidor importante no mercado internacional de lançamento de satélites – por isso, a importância de diferentes sítios em Alcântara. “Precisamos aproveitar nossa localização geográfica privilegiada, praticamente sobre a linha do Equador, o que representa economia no lançamento dos satélites de interesse comercial com órbita equatorial”, avalia Coelho. “As bases costumam ter várias estruturas de lançamento. Com mais opções, a gama de foguetes e de satélites que podem ser lançados de Alcântara é maior”, completa. 

O presidente da AEB pondera, no entanto, que é preciso tirar suas ambições do papel. Para isso, ele considera crucial o sucesso dos próximos lançamentos, o que poderia ajudar, inclusive, na obtenção de mais recursos. De 2004 a 2012, foram investidos cerca de R$ 580 milhões na base de Alcântara, mas o setor precisa de mais verbas. Atender o mercado internacional também pode ser muito lucrativo: segundo Coelho, cada lançamento pode render mais de R$ 100 milhões ao país. 

VLS-3
VLS-3 explodiu três dias antes do programado para sua decolagem. Foi a terceira tentativa frustrada do projeto, que agora pretende testar novo veículo lançador, revisado e reformulado, em 2017. (imagem: Wikimedia commons)

O caminho para o êxito do nosso programa espacial, no entanto, é longo. Em 2012, o Brasil ficou apenas na décima primeira posição (dentre quinze) em um ranking de competitividade espacial. O que não deixa de ser decepcionante: nos anos 1970, estávamos no mesmo patamar da China e da Índia e hoje os chineses planejam sua própria estação espacial e a Índia, o envio de um satélite para Marte.

Coelho acredita que, para recuperar esse atraso, é fundamental incentivar o setor industrial e a formação de recursos humanos. “Nosso programa tem uma origem pública muito forte, nossa base industrial ainda não se consolidou”, avalia. “Também temos que formar especialistas numa escala muito maior, eles não podem ficar só no setor público, devem ser líderes na área industrial.”

Nosso programa tem uma origem pública muito forte, nossa base industrial ainda não se consolidou e precisamos formar mais, para atuar como lideranças na área industrial

O presidente da AEB fala, ainda, da necessidade de participação de diferentes instituições civis e militares no programa espacial e do envolvimento de dois ministérios – da Defesa e da Ciência, Tecnologia e Inovação – na área. “A tendência para lidar com desafios tecnológicos é a união de forças de múltiplos agentes, mas seu trabalho conjunto precisa ser mais bem coordenado”, pondera. “Tenho atuado, por exemplo, para aproximar a AEB e o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], responsável por projetos como CBERS, e há, inclusive, projetos para integrar o instituto à agência.” 

Apesar das dificuldades, ele enxerga uma vocação natural do Brasil para a área. “Nosso país tem um enorme território que precisamos monitorar, uma enorme demanda de informações para planejar sua agricultura e grandes necessidades de planejamento urbano, ou seja, o programa espacial tem uma vocação civil muito forte, que beneficia diretamente a sociedade”, destaca. Na área de satélites, o país planeja para 2015 o lançamento do Amazônia-1, que deve monitorar a região amazônica, para 2017, o Lattes, que buscará fontes de raios X no universo, e, para 2018, o Sabiá-Mar (Satélite Argentino-Brasileiro de Informações Ambientais Marinhas), que estudará os ecossistemas oceânicos.

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line