Uma nova história para a África

É possível um ensino mais abrangente e menos eurocêntrico da história da África e dos afrodescendentes? Apesar do aumento de pesquisas sobre o chamado continente negro, ele ainda é vítima de uma abordagem escolar carregada de ignorância e preconceito, da qual recebeu uma imagem estigmatizada, construída por impressões sempre pejorativas e muitas vezes equivocadas. Para reverter esse quadro, uma lei federal sancionada em 2003 tornou obrigatório o ensino da história africana no currículo escolar brasileiro.

O objetivo da lei é desfazer estereótipos e recontar, a partir do olhar africano, a história do continente. Um ano após sua assinatura, instituições de ensino superior públicas e privadas já começaram a investir na capacitação de profissionais, com cursos de extensão e especialização. No entanto, muito ainda deve ser feito.

Em um artigo publicado em 2003 na revista Estudos Afro-asiáticos , o historiador Anderson Oliva, da Universidade de Brasília (UnB), analisou o estudo da história da África no Brasil em 34 coleções didáticas e chegou a uma conclusão preocupante: a maioria dos livros didáticos apresenta uma visão eurocêntrica sobre a África e quase sempre aborda com displicência e simplificações a história do continente.

“Para se ter uma idéia, até o ano 2000 somente três manuais brasileiros usados no ensino fundamental reservavam um capítulo especial para a história da África anterior ao século 19”, conta Anderson. “Todas as demais publicações tratavam o período exclusivamente a partir de considerações e acontecimentos referentes à Europa e às Américas”.

O historiador chama a atenção para um problema que persiste à iniciativa do governo: como ensinar de maneira adequada o que não se conhece realmente? “A falta de estudo aprofundado em escolas e universidades resultou na formação de professores despreparados e o problema tornou-se, assim, ainda mais grave”, avalia. “Mas algumas universidades e secretarias de educação já oferecem cursos de extensão e especialização e os profissionais podem qualificar-se também pela via autodidata, pois já existe um conjunto de boas publicações ‐ ainda que em pequeno número ‐ sobre a história da África no Brasil.”

Para ele, a lei é uma forma de o governo e a sociedade assumirem a responsabilidade pela negação da ancestralidade africana na cultura brasileira, mas o esforço pessoal dos professores é imprescindível para o ensino adequado da disciplina.

Embora ainda exista um grande caminho a ser percorrido, Anderson mostra-se otimista em relação ao futuro da disciplina e acredita que em breve as complexas e diversificadas experiências históricas africanas poderão ser apresentadas sem causar espanto a nenhum aluno.

Leia na internet o artigo de Anderson Oliva

Isabel Levy
Ciência Hoje On-line
17/11/04