Variabilidade genética de peixes-bois é alarmante

A genética atesta o risco de extinção das duas espécies de peixe-boi do Brasil, presentes em diversas listas de animais ameaçados. Uma pesquisa coordenada pelo geneticista Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), constatou fatores genéticos possivelmente envolvidos no processo de extinção do animal. O estudo constatou uma baixíssima variabilidade genética dos peixes-bois marinhos, que torna a população mais vulnerável a doenças e mudanças climáticas.

O DNA dos peixes-bois marinhos foi coletado na maioria no oceanário de
Itamaracá (PE) ( acima), onde funciona o Projeto Peixe-Boi[1]; o dos peixes-
bois amazônicos foi coletado em diferentes locais da Amazônia brasileira

O estudo foi feito com amostras de pele, sangue e tecido cartilaginoso da nadadeira caudal de duas espécies de peixe-boi. Ao lado da mestranda Juliana Vianna, Fabrício seqüenciou amostras do DNA mitocondrial[2] de 34 peixes-bois marinhos ( Trichechus manatus ) e de 78 amazônicos ( Trichechus inunguis ). Esse tipo de DNA permite estimar a variabilidade genética de uma população; sua análise é muito usada na Europa e nos EUA para avaliar o risco de extinção de uma espécie e planejar estratégias de conservação.

No caso dos peixes-bois marinhos, todos os indivíduos apresentaram um mesmo haplótipo — a mesma seqüência de um trecho de 400 bases do DNA mitocondrial. “Isto provavelmente é um reflexo de uma drástica redução populacional, que deve estar levando a vários acasalamentos consangüíneos”, esclarece Fabrício. Já no caso da espécie amazônica, foram encontrados 15 haplótipos diferentes. “Quanto menor a variabilidade genética, maior o risco de extinção. Daqui a 20 ou 30 anos, talvez só existam na natureza os animais reintroduzidos.”

Distribuição das duas espécies de peixe-boi encontradas no Brasil
(imagens: Fabrício Santos e Juliana Vianna)

Atualmente, existem apenas cerca de 500 peixes-bois marinhos na costa brasileira, de Alagoas ao Amapá. “A caça, praticada desde o início da colonização, foi a principal causa de desaparecimento das duas espécies de vários locais onde eram vistas no início do século 20”, conta Fabrício. Além disso, o peixe-boi é um animal dócil e receptivo ao contato humano, o que o torna presa fácil para caçadores interessados em sua carne ou colonos amazônicos acostumados a preparar a mixira — cozido preparado com a carne do animal. Hoje em dia, no entanto, esse mamífero é raramente visto, e sua caça diminuiu.

Outro problema genético é o cruzamento entre as duas espécies de peixes-bois, que resulta em híbridos estéreis. “O marinho é freqüentemente encontrado nos estuários dos rios e pode ser visto alguns quilômetros adentro no rio Amazonas, enquanto o amazônico pode também ser achado alguns quilômetros adentro no mar, próximo à foz do Amazonas”, explica Fabrício.

A próxima etapa do estudo, atualmente financiado pela Fundação Boticário de Proteção à Natureza, será o monitoramento do parentesco dos indivíduos em cativeiro com outros marcadores genéticos. “Isso pode ajudar a decidir os possíveis acasalamentos (entre menos aparentados) e aconselhar a melhor estratégia de reintrodução dos animais de cativeiro ao hábitat natural”, conta Fabrício.

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje On-line
17/02/03