Quinta-feira passada, reta final da reunião anual da SBPC. Em Natal (RN), o renomado linguista Ataliba Teixeira de Castilho faz conferência sobre uma das correntes de estudo que ele ajudou a fundar: a pesquisa sobre o português brasileiro.
Ataliba tem fala bem mansa e simpática. Não imposta a voz. Ao contrário, às vezes come letras, suprime sílabas. E a verdade é que não tem a melhor das dicções. Parece saber disso e não ligar.
Não liga, muito provavelmente, porque defende justamente o estudo do português falado nas ruas. Coordena, inclusive, um grupo de nome autoexplicativo, o Para uma História do Português do Brasil.
O PHPB, como é mais conhecido, é um congregação de professores espalhados por 11 estados do país que se propõe a pesquisar, de modo colaborativo e coletivo, os meandros do português brasileiro.
Dos estudos desse grupo, já saíram dezenas de livros sobre o tema. O mais conhecido é o projeto de cinco volumes da Gramática do português culto do Brasil.
Este ano, Ataliba lançou o seu novo livro. Mais uma tentativa de se aprofundar no português falado por aqui. É a Nova gramática do português brasileiro.
Na SBPC, seguimos o professor no caminho até a livraria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (a UFRN sediou o evento). Era dia do lançamento de seu novo livro por lá.
Ataliba – tratado como estrela pop pelos professores que acompanharam sua conferência – parecia alheio à badalação ao seu entorno. É de tipo raro, daqueles que parecem viver desligados da vaidade e das chancelas acadêmicas (ele tem vínculo como professor e pesquisador na Universidade Estadual de Campinas e na Universidade de São Paulo).
No percurso dentro do campus, o linguista conversou conosco sobre a situação atual do português brasileiro no país.
“Português não é uma língua difícil, é uma língua mal ensinada”, diz o professor.
CH On-line: Ainda há sentido na expressão ‘língua culta’?
Ataliba Teixeira de Castilho: A opção pela língua culta é puramente política. A língua culta é a língua do Estado. A questão é que não há uma diferença muito grande entre a língua culta e a popular, das pessoas não escolarizadas. O que nós notamos nesses últimos anos é que houve uma aproximação bem grande entre ambas. Isso relativizou um pouco este rótulo ‘língua culta’.
Eu acho que o ensino deveria tirar o foco dessa questão e se voltar mais para a forma como um falante comum produz a linguagem. É um deslocamento de ponto de vista importante para o ensino, porque não é excludente. Ao contrário, é mais científico e mais interessante.
Mas aí vem a questão: como inserir o ensino do português brasileiro nas salas de aula do ensino básico?
A questão agora realmente é produzir uma gramática para o uso escolar. Bom, os alunos já falam a língua. Uma boa estratégia é refletir com os alunos sobre como essa língua foi adquirida e como eles se desenvolvem ao falar o português. Que mecanismos mentais acionam para poder falar e escrever. Ou seja, fazer uma espécie de arqueologia da língua que eles já falam e já escrevem antes de tentar aprimorar uma coisa ou a outra.
Agindo assim, você ajuda o aluno a ter um entendimento linguístico melhor, o que acaba se refletindo na sua vida prática.
E como se daria, no dia a dia, esse tipo de ensino?
A primeira pergunta seria a seguinte: o que acontece quando as pessoas conversam? Que conhecimento linguístico nós revelamos enquanto conversamos?
Depois de esgotar essa agenda em sala de aula, a ideia é produzir um texto e perguntar: como esse texto está organizado, como a linguagem difere de uma interação livre? Que tipo de processo se desenvolveu? Falar da elaboração e das intercalações do tema, das voltas que a gente dá.
A terceira etapa é focalizar a parte menor que está dentro do texto. Essa unidade é a sentença. Aqui vamos verificar como se estruturou a sentença, que tipo de sintaxe se juntou, que tipos essa sentença tem…
E o ensino das regras de gramática que conhecemos hoje?
Só depois de tudo isso entramos nessas questões mais profundas. E sempre a partir do material fornecido pelos próprios alunos. Indicando ao estudante: “olha o conhecimento que você já tinha e não tinha consciência que tinha”.
Quando esgotarmos a pauta da sintaxe, vamos para a morfologia, que é a estrutura das palavras, e finalmente para a fonética.
No fundo, eu proponho uma estrutura inversa da convencional. Proponho que se comece pelo texto para, só no final, chegar nos sons. Ou seja, nas vogais, consoantes e sílabas.
Não podemos começar ensinando algo abstrato na vida dos alunos. Depois saem por aí dizendo que português é uma língua difícil. Não é uma língua difícil. É uma língua mal ensinada.
Thiago Camelo
Ciência Hoje