A divulgação científica deveria ser considerada um elemento obrigatório da produção de universidades e centros de pesquisa. A sugestão é do neurocientista Roberto Lent, ganhador da edição de 2010 do prêmio José Reis – o mais importante do país nessa área. A proposta foi lançada na conferência que Lent apresentou para marcar o recebimento do prêmio durante a reunião anual da SBPC, que acontece esta semana em Natal.
“Um estímulo como esse levaria os pesquisadores a fazer de ações de divulgação científica um elemento da sua produção, levado em conta inclusive no momento em que eles fossem avaliados.”
Lent, que é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colunista da CH On-line, defende ainda que as iniciativas de divulgação sejam mais intimamente articuladas com o ensino básico.
Discrepância entre ciência e educação
Investimentos intensivos para aprimorar a educação fundamental, aliás, são apontados por Lent como uma medida essencial para se contornar o que ele chama de o nosso “grande paradoxo”.
A produção científica brasileira tem ganhado destaque mundial nos últimos anos, mas o desempenho de nossos alunos em avaliações internacionais sobre ciências é pífio.
“Enquanto a ciência cresce, a educação patina”, sintetiza Lent. “Isso põe em risco o ciclo virtuoso de produção científica a que temos assistido. Quantos cérebros talentosos são perdidos porque não tiveram acesso à escola?”
No vídeo abaixo, Roberto Lent explica o grande paradoxo entre ciência e educação no Brasil.
O neurocientista apresentou ao público algumas ideias que poderiam ser discutidas com as autoridades para que se saia desse paradoxo. Segundo ele, medidas como a federalização do ensino básico, a implantação do turno único nas escolas e de um programa pós-curricular intensivo – que incluísse ações de divulgação científica – ajudariam a contornar o problema. “Não digo que isso seja simples ou possível, mas temos que enfrentar essa questão”, avalia.
Ciência na novela
Roberto Lent discutiu em sua conferência as diferentes modalidades que têm sido usadas na prática da divulgação científica no Brasil. A que suscitou mais interesse do público foi o uso de telenovelas como um meio importante para se discutir temas importantes de ciência, capaz de atingir dezenas de milhões de cidadãos.
A plateia não deixou que Lent interrompesse a exibição de um trecho da novela Viver a vida – uma cena em que dois médicos têm uma conversa bastante realista com os pais da tetraplégica Luciana sobre a perspectiva de ela conseguir voltar a andar com tratamentos com células-tronco.
O diálogo foi escrito com a consultoria de Roberto Lent e do neurocientista Stevens Rehen, também da UFRJ, estudioso da questão.
Assista ao trecho da novela Viver a vida escrito com a consultoria de pesquisadores da UFRJ.
Ontem e hoje
Roberto Lent traçou também um paralelo entre a divulgação científica no Brasil no início dos anos 1980, quando ele começou a se envolver com essa área, e hoje. “Evoluímos bastante, mas ainda estamos longe do necessário para um país como o nosso”, avalia.
“Passamos do Paleolítico para o Neolítico – o desafio é chegar à idade moderna com rapidez”, compara, retomando a metáfora que deu título à sua conferência, e que ele havia antecipado na entrevista que nos concedeu por ocasião do anúncio do prêmio.
Trata-se também de um momento de renovação das utopias. “Em 1982, quando fundamos a Ciência Hoje, a utopia era atingir todas as camadas da população”, recorda-se. “Em 2010, a utopia é que a ciência seja discutida e praticada como o futebol.”
Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
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