Remédios, produtos de higiene, aparelhos eletrônicos: tudo isso vai para o lixo, mas o que acontece depois? Ainda não se sabe ao certo, mas estudos têm descoberto um novo mundo de de substâncias químicas provenientes desses produtos em ambientes aquáticos brasileiros.
Para tentar prever as possíveis consequências desses ‘contaminantes emergentes’ em seres humanos, toxicologistas como Gisela Umbuzeiro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), têm usado os avanços tecnológicos para analisar os mínimos efeitos que podem ter sobre organismos aquáticos – como a ativação de um gene.
Mas o que são, exatamente, contaminantes emergentes? “São compostos químicos que não fazem parte daquele meio ou que estão em concentrações acima do natural”, explicou Umbuzeiro em entrevista à CH On-line após sua conferência na reunião anual da SBPC, em Natal.
A diferença entre esses compostos e substâncias poluentes está no fato de que estas necessariamente causam um efeito nocivo ao ambiente onde se encontram. “Já os contaminantes não necessariamente fazem mal. Por exemplo, a água pode estar contaminada sem estar poluída.”
De pílulas a pasta de dente
Os contaminantes emergentes recém-encontrados nas águas brasileiras têm as mais diversas origens. Há, por exemplo, o TBT (tributilestanho), substância antiincrustrante usada em cascos de navios. “Em molucos, o TBT causa aparecimento de características sexuais masculinas em indivíduos femininos”, explica Umbuzeiro.
Já o triclosan, uma substância bactericida usada em pastas de dente, era considerado um composto inofensivo. Recentemente, no entanto, descobriu-se que, ao sofrer ação da luz, ele se transforma em dioxina, uma substância tóxica para organismos aquáticos.
Pequenas concentrações de compostos estrogênicos – ou seja, derivados do estrogênio, um hormônio feminino – também têm sido encontradas nos biomas aquáticos brasileiros.
“São concentrações muito pequenas, na faixa de nanogramas, mas que podem ser muito nocivas para essa biota”, explica a toxicologista. Uma das origens para esses compostos são cartelas de píluas anticoncepcionais descartadas.
Em peixes, esses compostos podem causar inibição testicular. Em anfíbios, estudos têm mostrado que hormônios femininos em baixa concentração causam anomalias reprodutivas e até declínio na população. “Hoje conseguimos analisar a indução de determinadas enzimas e até de genes desses animais em resposta à presença de contaminantes”, conta Umbuzeiro.
Como os efeitos desses contaminantes em humanos ainda não são conhecidos, o objetivo é entender seus mecanismos moleculares em outros organismos para analisar, no mínimo, se eles têm ou não potencial nocivo.
“Quando conhecermos melhor os efeitos em humanos, precisaremos estabelecer valores seguros de concentração dessas substâncias”, afirma Umbuzeiro. “Mas não é preciso se alarmar.”
Isabela Fraga
Ciência Hoje / RJ
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