Quase lá

Considerado a forma mais promissora de produção de biocombustível, o uso do bagaço e da palha da cana-de-açúcar para obtenção de etanol tem recebido muitos investimentos do governo brasileiro. Mas ainda há etapas envolvidas no processo que precisam ser aprimoradas, como a melhor forma de preparo do bagaço e a escolha das leveduras mais eficientes para fermentação dos açúcares resultantes.

“Por ano, são produzidos cerca de 85 milhões de toneladas de bagaço”

O etanol de segunda geração – assim chamado em referência à forma mais antiga de produção, feita a partir do caldo da cana – ainda não é produzido em escala industrial em nenhum lugar do mundo. O Brasil tem a vantagem de ter uma grande extensão de seu território destinada ao cultivo de cana-de-açúcar. Em abril de 2009, havia cerca de 78 mil km² de área desse plantio, o equivalente a um quinto do território do Japão.

“Por ano, são produzidos cerca de 85 milhões de toneladas de bagaço”, complementa a bioquímica Elba Bon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em mesa-redonda sobre o tema na reunião anual da SBPC

Além de Elba, falaram também o engenheiro químico George Rocha, da Universidade de São Paulo (USP), e o biólogo Bóris Stambuk, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
 

Preparação

Bagaço de cana-de-açúcar
Bagaço de cana, matéria-prima para o etanol de segunda geração (Foto: Flickr.com/Royal Olive CC BY-NC-ND 2.0).

Como já explicamos em matéria da CH On-line, é a partir da celulose presente no bagaço e na palha da cana que se produz o etanol. Além dessa substância, que ocupa em média 40% da biomassa total, há também a hemicelulose e a lignina, presentes em 25% e 15% da biomassa, respectivamente.

A lignina é associada à parede vegetal e dá resistência à fibra do vegetal. A união desses três compostos forma a lignocelulose.

A primeira etapa – e desafio – envolvida na produção do etanol de segunda geração é justamente a separação da celulose da hemicelulose e da lignina, para que posteriormente seja quebrada em açúcares menores e em seguida fermentada. 

A importância dessa fase – chamada de pré-tratamento – está no fato de ser nela que a quantidade de celulose (e, consequentemente, de etanol) é apresentada. Pode-se pensar, portanto, que o melhor pré-tratamento seja aquele que ‘libere’ o máximo de celulose da biomassa da planta. Mas não é bem assim.

“O melhor pré-tratamento é aquele que não mexe nas estruturas químicas da hemicelulose e da lignina”, explica Elba. Segundo a bioquímica, os tratamentos químicos podem modificar essas substâncias, descartando-as para qualquer possibilidade de uso futuro. “Os melhores são os tratamentos físicos, como a moagem ou a explosão por vapor”, afirma.
 

Quebra e fermentação

Uma vez que a celulose se separa da hemicelulose e da lignina, é hora então de hidrolisá-la (ou seja, quebrá-la em pedaços menores). Nessa etapa, os principais atores são as enzimas, que ‘desmontam’ a celulose em suas substâncias componentes, as glicoses.

“O filé mignon da produção de etanol de biomassa é a mistura enzimática”

O desafio, aqui, é escolher os microorganismos – principalmente fungos – que produzem as enzimas de forma mais eficiente. “O filé mignon da produção de etanol de biomassa é a mistura enzimática”, opina Elba. “Para isso, precisamos ter produção nacional e não depender de empresas estrangeiras.”

Já separamos a celulose e a dividimos em glicose. E agora? É aí que entram as leveduras – fungos que fermentam açúcares no seu metabolismo e liberam álcool, como o etanol. Como no caso das enzimas, aqui também é importante escolher as espécies de leveduras que aproveitem ao máximo os açúcares para que produzam também o máximo de etanol.
 

E o resto?

O etanol está feito. Mas e a lignina e a hemicelulose, compostos separados da celulose no pré-tratamento do bagaço? “A lignina tem alto potencial calórico, mais até que a celulose”, atenta Elba. Seu destino mais óbvio, nesse caso, é a queima para produção de energia que pode ser utilizada nos próprios processos do etanol. “Por isso, ela deve ser preservada”, diz ela.

Já o caso da hemicelulose é mais complicado. Por ser composta principalmente por xiloses – e não glicoses, como é a celulose –, ainda não há tecnologia para o seu aproveitamento. Outra barreira a ser superada pelos muitos estudos dedicados ao etanol de segunda geração.

Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ

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