“It’s alive!” (está vivo, em inglês) é a frase com a qual Victor Frankenstein, ao dar vida ao seu monstro, sedimenta a figura de cientista louco no imaginário popular. Essa cena emblemática está na adaptação cinematográfica de 1931 do romance Frankenstein: ou O moderno Prometeu, da escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851).

O livro é considerado a obra fundadora do gênero literário conhecido como ficção científica, que desde sua criação está intrinsecamente ligado à ciência e tecnologia. Mas como é essa relação? A ficção cientifica é uma espécie de profeta, prevendo hoje os avanços de amanhã? Seria uma maneira de discutir os problemas do presente e os desdobramentos da tecnologia na sociedade? Ou é apenas uma literatura que busca inspiração na ciência?

Para entendermos essa relação, temos que analisar as obras de ficção científica dentro de seus contextos. Frankenstein, por exemplo, foi publicado em 1818, quando a Inglaterra já se encontrava na Revolução Industrial e experimentos de galvanismo, como aqueles conduzidos pelo médico italiano Luigi Alyisio Galvani (1737-1798), que usava eletricidade para ativar os membros de animais e humanos mortos, já eram conhecidos. Esses dois elementos foram influências para Shelley na criação de seu romance.

Mary Shelley não era cientista, mas seu livro criou o mito moderno da ciência

“Ela não era cientista, mas seu livro criou o mito moderno da ciência”, afirma a bióloga e teórica da literatura Lúcia Rodriguez de La Rocque, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para La Rocque, que estuda a relação entre ciência e ficção científica, Shelley levantou questões quanto ao desenvolvimento científico e corporificou a reação do público leigo à ciência.

“Embora ela deixasse uma porta aberta para as consequências positivas, ela deu ênfase às negativas. É claro que isso foi, em parte, uma escolha estilística, pois sem conflito, não há história”, observa a bióloga.

Ciência ambivalente

Mary Shelley
Retrato de Mary Shelley por Richard Rothwell exposto na Academia Real Inglesa em 1840.

O jornalista científico inglês Jon Turney, do Imperial College, em Londres (Inglaterra), descreve a atitude de Shelley em relação à ciência como ambivalente.

Autor de Frankenstein’s footsteps (algo como ‘Passos de Frankenstein’, ainda não publicado no Brasil), que discute a maneira como as ciências biológicas são divulgadas e sua relação com o livro da autora inglesa, Turney explica que Shelley trata o tema de uma maneira rica e complexa.

“Por um lado, ela percebe as vantagens de uma medicina avançada, como a eliminação da morte prematura e das doenças. Por outro, vê com temeridade a capacidade de controlar a reprodução e redesenhar os seres humanos, atividades que estariam sob controle de criaturas imperfeitas – nós.”

La Rocque complementa: “Ela distingue entre uma ciência boa e uma má. Estudar a natureza seria algo aceitável; tentar manipulá-la, não.”

“Estudar a natureza seria algo aceitável; tentar manipulá-la, não.”

Essa abordagem mudaria com o avanço do gênero — a ciência e a tecnologia em si seriam neutras; seus usos, por outro lado, poderiam ser moralmente questionáveis. Mas a obra de Shelley foi tão marcante que acabou estabelecendo a base da imagem pública da ciência. “Ela criou o arquétipo do cientista louco, aquele homem frio, cuja obsessão científica o afasta do bem”, relata.

Rígida e suave

É na segunda metade do século 19 que surge o que se convenciona chamar de ficção científica, simbolizado pelas obras do inglês Herbert George (H.G.) Wells (1866–1946) e do francês Júlio Verne (1828-1905), considerados os ‘pais’ do gênero.

A máquina do tempo
Em ‘A máquina do tempo’, H.G. Wells usa a ciência para falar de questões sociais.

Aqui já é possível ver a semente do que mais tarde seriam chamados os subgêneros hard (rígido) e soft (suave) dessa literatura. No primeiro, o autor se limita a utilizar na história apenas o que é considerado possível pela ciência da época ou extrapolações plausíveis. Verne seria um exemplo desse estilo. Em 20 mil léguas submarinas, ele dá explicações detalhadas do funcionamento do submarino do capitão Nemo, o Nautilus.

Já na soft, o fato científico pode ser usado como ponto de partida, mas a narrativa não está presa a ele e pode envolver temas das ciências sociais. É o caso de Wells, que abordou a estratificação social da Inglaterra em A máquina do tempo. Diz-se que, quando questionado a respeito da obra do inglês, Verne teria dito que ele mentia.

“Apesar disso, as obras de Wells têm conceitos que poderiam ser considerados revolucionários, como tratar o tempo como uma quarta dimensão, em A máquina do tempo, e a engenharia genética, em A ilha do doutor Moreau”, conta La Rocque.

Outra diferença entre os ‘pais’ da ficção científica era sua abordagem quanto à tecnologia: Verne a via como algo positivo, enquanto nas histórias de Wells as coisas não eram tão felizes assim.

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Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ

Texto originalmente publicado na CH 279 (março de 2011).

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