No início do capítulo I de seu elogiado livro The writing revolution – cuneiform to the internet (A revolução da escrita – do cuneiforme à internet, Blackwell, 2009), Amalia Gnanadesikan esboça o que, para muitos, talvez seja o mais tenebroso dos cenários imagináveis: um mundo sem livros. E sem revistas, jornais, enciclopédias, receitas de bolos, canetas esferográficas, internet… 

Assim seria se não houvesse a escrita, sistema que ela classifica como uma tecnologia maravilhosa que possibilita, do passado, falar diretamente ao futuro. Alguma dúvida? Basta dizer que as palavras escritas por Gnanadesikan – bem como estas – são uma máquina do tempo: foram produzidas bem antes de chegarem aos olhos de quem as está lendo neste momento.

Amalia Gnanadesikan
Amalia Gnanadesikan é pesquisadora da Universidade Sagrada Família, na Filadélfia (EUA). Foto: Anand Mehta.

Doutora em Iinguística pela Universidade de Massachusetts (Estados Unidos), Gnanadesikan é atualmente pesquisadora da Universidade Sagrada Família, na Filadélfia (Estados Unidos). Nesta entrevista exclusiva à CH, ela fala de sua paixão pelos sistemas de escrita, bem como da longa e diversificada história do que é classificado como a maior invenção humana de todos os tempos, cuja origem é associada a marcas escavadas na argila molhada pelos Sumérios, há cerca de 3 mil anos a.C.

Por que a senhora resolveu escrever um livro totalmente dedicado à história da escrita?
Sempre adorei os sistemas de escrita. Aprender um sistema novo é como aprender um código secreto, só que muito mais útil no cotidiano. A maioria dos livros sobre a história da escrita, na verdade, não nos diz como as escritas funcionam, e a maioria deles não fala sobre a história desses sistemas, a não ser que sejam imensos volumes só para estudiosos. Quis colocar tudo o que gosto nos sistemas de escrita – tanto como eles funcionam quanto a história deles – em um livro só, inteligível para o grande público.

Já descobrimos todos os sistemas elaborados ao longo da história ou ainda podemos esperar por surpresas?
Não sabemos. Um dos motivos pelos quais temos registros tão bem preservados do sistema mais antigo, o cuneiforme mesopotâmico, é que ele foi gravado em tabuletas de argila, material que se conserva bem se estiver queimado. Então, se se incendiar a cidade, toda escrita fica preservada. Outras escritas se preservaram, porque foram gravadas em pedra e osso ou, como os Manuscritos do Mar Morto, foram mantidos em ambiente muito seco. Se uma cultura chegou a desenvolver uma escrita, mas a registrou em substratos degradáveis, mantidos em um clima úmido, talvez nunca cheguemos a conhecer esse sistema. Mas, se essa mesma cultura escreveu em um substrato mais resistente, então, nesse caso, nossas esperanças de uma surpresa feliz são maiores. No entanto, duvido que haja vastos arquivos ainda por descobrir – o campo da arqueologia avançou muito, o que diminui bastante a probabilidade de esse tipo de descoberta ocorrer.

O campo de estudo dos sistemas de escrita sofre revoluções dramáticas, como as que caracterizam a arqueologia, por exemplo?

Uma revolução nessa área ocorre cada vez que uma escrita antiga é decifrada

Uma revolução nessa área ocorre cada vez que uma escrita antiga é decifrada. A decifração dos hieróglifos egípcios por Champollion [Jean-François, linguista e egiptólogo francês, 1790-1832], na década de 1820, por exemplo, reintroduziu para o mundo um modo de escrita que era completamente esquecido e muito malentendido na época. Ninguém acreditava que a escrita linear B [uma forma silábica de escrita do grego antigo] pudesse ser grego até sua decifração por Ventris [Michael George Francis, arquiteto e intelectual inglês, 1922-1956] na década de 1950. Chegou-se a pensar que os glifos dos maias não passavam de um calendário complexo, até que sua decifração começou nas décadas de 1950 e 1960. Quando uma forma básica de decifração é aceita pela comunidade acadêmica, restam ainda muitos detalhes, mas a solução destes últimos não é necessariamente uma nova revolução.

Em seu livro, a senhora diz que os estudiosos europeus pensavam que os hieróglifos egípcios eram ideogramas, símbolos exprimindo ideias complexas, do tipo sentencial. Alguma língua usa ideogramas?
Nós humanos somos criaturas linguísticas. Comunicamo-nos por meio da linguagem e até pensamos tendo-a como base. Então, quando comunicamos nossos pensamentos por meio da escrita, primeiramente nos trajamos de linguagem. De fato, é o que define a escrita. Ela é algo que você lê como ‘linguagem’ e não um mero conjunto de ideias vagas. Para tornar suas ideias mais específicas, você precisa usar palavras.

 

Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 268. Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral.

PDF aberto (gif)

Konrad Szczesniak
Faculdade de Língua Inglesa,
Universidade da Silésia (Polônia)

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje (RJ)

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