Amaranto, opção contra o colesterol

O amaranto, um dos vegetais mais importantes da América pré-colombiana, cujo consumo foi proibido pelos espanhóis por estar associado a práticas religiosas, começa a ser reabilitado por cientistas brasileiros com um nobre fim: pesquisas recentes mostram que, além de ser altamente nutritivo, o amaranto é um excelente redutor dos níveis de colesterol plasmático, que provoca o entupimento dos vasos sangüíneos.

O Amaranthus cruentus , espécie que melhor se adaptou às condições climáticas locais, já está sendo cultivado no país. (Crédito: Carlos R. Spehar).

A conclusão é resultado de um estudo feito pelo Laboratório de Bioquímica e Propriedades Funcionais dos Alimentos da Universidade de São Paulo (USP), que investiga os chamados alimentos funcionais – aqueles que, além de suas funções nutricionais básicas, trazem algum benefício adicional para a saúde. O coordenador do projeto, o cientista de alimentos José Alfredo Gomes Arêas, conta que o conceito de alimentos funcionais surgiu na década de 1980, quando o governo japonês percebeu uma piora da saúde da população nipônica decorrente de seus hábitos alimentares e estimulou o consumo de certos produtos, entre eles, a soja, obtendo bons resultados.

A equipe de Arêas começou a estudar o amaranto em 1997, tendo realizado, desde então, diversos testes com animais para entender como a planta reduz as taxas de colesterol. Após induzirem o aumento do colesterol total e do LDL (o chamado mau colesterol) em hamsters e coelhos, através de alimentos ricos em ácidos graxos saturados e outros compostos, os pesquisadores administraram uma dieta contendo o amaranto.

Os resultados obtidos nos experimentos levaram os cientistas a concluir que a fração protéica do amaranto é a responsável pela redução do colesterol, pois as proteínas, ao serem ‘quebradas’ na digestão, transformam-se em peptídeos (pequenas cadeias de aminoácidos) capazes de inibir a enzima responsável pelo acúmulo do colesterol. Mas o mecanismo ainda não está completamente elucidado e a equipe continua investigando.

Arêas também realizou, em parceria com o Instituto do Coração (InCor) de São Paulo, estudos com pacientes do hospital, cuja taxa de colesterol estava elevada. A administração de amaranto, mesmo em pouca quantidade, junto com estatinas, diminuiu mais acentuadamente os níveis de colesterol dos pacientes. O pesquisador ressalta, entretanto, que mais estudos são necessários para que se possa avaliar a real participação do amaranto, uma vez que o número de pacientes testados era pequeno e eles também foram tratados com medicamentos. “É muito difícil acharmos as condições ideais para conduzirmos nosso estudo. Precisaríamos de um controle rígido da dieta dos envolvidos”, explica o pesquisador.

Muito nutritivo
Além da comprovada redução do colesterol em animais, o amaranto é naturalmente rico em proteínas de alto valor biológico (uma medida do aproveitamento da proteína pelo organismo), o que, segundo Arêas, não é comum em vegetais — a maioria deles não têm alguns aminoácidos essenciais e seu aproveitamento é de 60% ou menos. “A proteína do amaranto pode ser comparada à do leite”, diz. A planta é ainda fonte de cálcio biodisponível (pronto para ser assimilado pelo organismo), outro fato incomum nos vegetais. Por fim, o amaranto também não contém glúten ou outras substâncias alergênicas em sua composição, o que o torna uma opção para os celíacos – pessoas com intolerância ao glúten.

Mas como consumir o amaranto? Como o alimento não faz parte da cultura alimentícia brasileira, a equipe da USP investiga formas de uso da planta, que tem na semente a parte comestível mais importante. “O amaranto é conhecido como um pseudocereal, porque é parecido com os cereais, sobretudo sua semente”, conta o pesquisador. A semente, que, quando aquecida, estoura como pipoca, está sendo utilizada para a criação de barras de cereais, granola e até salgadinhos. “A idéia não é consumir diretamente a semente, mas sim introduzi-la como ingrediente em alimentos para os quais o paladar do brasileiro já está acostumado, assim como foi feito com a soja. O brasileiro raramente consome o grão da soja, mas ingere com freqüência produtos que têm soja em sua composição.”

Antes, porém, de chegar ao mercado, o amaranto deve começar a ser cultivado no Brasil. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Cerrados e a Universidade de Brasília (UnB), entre outras instituições, já estão se encarregando da pesquisa agronômica para disseminar o vegetal no país. Carlos Roberto Spehar, agrônomo da Embrapa e responsável por essa etapa do projeto, conta que a intenção é diversificar a agricultura. “A produção de grãos no país é baseada em poucas espécies, o que torna as lavouras mais suscetíveis a pragas e doenças”, afirma. Em um grande esforço para vencer a resistência à sua aceitação, o projeto incluiu a difusão de tecnologia de cultivo e uso. Assim, os agricultores foram ensinados a plantar o amaranto e a utilizá-lo na culinária.

Atualmente, alguns produtores já cultivam o Amaranthus cruentus , espécie que tem se adaptado melhor às condições climáticas locais. O trabalho compreende várias etapas, desde a genética e o melhoramento até a recomendação de cultivares. “Estamos estimulando outros agricultores a começarem a produção, de modo a que possam sair na frente quando houver maior demanda do mercado – o que certamente ocorrerá”, aposta Spehar. Segundo ele, a principal dificuldade é a falta de divulgação. “Assim que o brasileiro conhecer o amaranto, irá incorporá-lo na dieta”, finaliza.

Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ

 

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