O vírus HIV (pontinhos pretos) tem nove subtipos (variantes genéticas) capazes de se recombinarem (Imagem: Arquivo Fiocruz).

O Brasil, que tem cerca de 600 mil portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), acaba de dar mais um passo no entendimento da doença. Um novo recombinante do HIV (uma variante formada pela combinação de tipos diferentes do vírus que causa a doença) — foi descoberto no Rio Grande do Sul. Resultado da tese de mestrado do geneticista André Felipe dos Santos, a caracterização do recombinante ajudará a entender por que e como certos subtipos do vírus apresentam vantagens biológicas, que fazem com que prevaleçam na população.

O HIV apresenta nove subtipos (variantes genéticas) capazes de se recombinarem, formando os chamados vírus mosaicos intersubtípicos. Essas formas recombinantes podem ser encontradas em uma única pessoa (recombinante único) ou podem disseminar-se na população (recombinante circulante). Ao todo, existem no mundo 34 recombinantes circulantes descritos, dois dos quais presentes no Brasil.

O trabalho, desenvolvido no Laboratório de Virologia Humana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chefiado pelo geneticista Marcelo A. Soares, teve por objetivo investigar a existência de um novo recombinante circulante, chamado CRF_BC, na população do Rio Grande do Sul, terceiro estado do país com maior número de casos relatados de Aids. “O subtipo C prevalece mundialmente e 90% dos infectados na região Sul apresentam os subtipos B ou C” esclarece Santos. Os dados de acompanhamento do laboratório mostram que, em 1986, 18% dos infectados dessa região apresentavam o subtipo C; em 2002, essa proporção subiu para cerca de 50%. Santos ressalta que a prevalência de dois subtipos propicia o aparecimento de recombinantes.

Para a caracterização do CRF_BC foi realizado, conforme exigem as regras internacionais, o seqüenciamento de três genomas completos de vírus presentes em indivíduos não ligados epidemiologicamente, ou seja, não vinculados por transmissão vertical (de mãe para filho) nem horizontal (entre parceiros sexuais). O RNA (ácido ribonucléico) viral utilizado para o seqüenciamento foi extraído de pacientes do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e da Fundação Universitária de Rio Grande, convidados a participar do projeto. Partes desse RNA foram amplificadas de forma a identificar as regiões que sintetizam as enzimas virais — as mesmas regiões onde atuam os medicamentos do coquetel anti-HIV e onde costuma surgir a resistência ao tratamento.

Os resultados mostraram que o CRF_BC possui importância epidemiológica para o país, atingindo 7,5% dos infectados estudados. Segundo Santos, a forma como os recombinantes respondem ao tratamento ainda é pouco conhecida e o avanço nessa área é muito importante para países que, como o Brasil, começam a oferecer a terapia aos portadores de Aids. “Nosso laboratório busca avaliar a resposta ao tratamento para o subtipo C na região Sul, e agora também olharemos com mais atenção o comportamento dessa nova variante, CRF_BC. Esse acompanhamento é de importância vital para o sucesso terapêutico dos pacientes”, diz o geneticista. A equipe do laboratório pretende avaliar a evolução do recombinante a médio e longo prazos, determinando se ele possui alguma vantagem sobre seus subtipos parentais B e C que faça com que se espalhe rapidamente pela população.

Mariana Ferraz
Ciência Hoje/RJ

 

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