Desde o final de 2008, algumas áreas da cidade do Rio de Janeiro – nas quais a autoridade pública não controlava a ação de criminosos ostensivamente armados, em especial os traficantes de drogas – vêm sendo ocupadas em caráter permanente pelas chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Essa iniciativa do governo estadual, embora indique uma tímida reorientação da política tradicional de segurança pública e apresente alguns resultados positivos, ainda está vinculada, no discurso oficial, à visão distorcida de que o controle da criminalidade é uma ‘guerra’, e vem sendo criticada por uma parte da sociedade em vários de seus aspectos, gerando dúvidas sobre o desenvolvimento e a eficácia do programa.
Na cidade do Rio de Janeiro, o medo da violência criminal ameaça o exercício regular das atividades cotidianas e gera uma desconfiança generalizada quanto às intenções dos desconhecidos cujos caminhos cruzamos a todo instante. Esse medo tem se expressado, há décadas, em uma linguagem ‘dura’ a respeito das questões relativas à ordem pública.
Tal enquadramento da ‘violência urbana’ – expressão que, diga-se de passagem, contradiz sob muitos aspectos a linguagem dos direitos humanos – leva a diversas distorções. Uma delas é fazer com que controle social, segurança e repressão se tornem sinônimos no debate e na ação pública, bem como em boa parte dos estudos acadêmicos sobre o tema.
Também induz a que políticas sociais – mesmo as que têm pouco a ver, diretamente, com questões de ordem pública – sejam propostas e justificadas como meios de redução da violência. E um de seus resultados mais perversos é a criminalização da pobreza, cujos representantes típicos, no imaginário sobre o Rio de Janeiro, são as favelas e seus moradores.
De fato, ao menos desde os anos 1980, o tema da ordem pública constrói-se em torno da metáfora da ‘guerra’ ao crime em geral e, mais especificamente, ao segmento do tráfico de drogas ilícitas cuja comercialização final situa-se nas favelas. No início do atual governo estadual, parece ter-se fechado o ciclo de aprofundamento da violência repressiva, quando a ideia de guerra deixa de ser uma simples metáfora e transforma-se em política de governo.
Um exemplo disso, entre vários outros, foi a entrevista do secretário de Segurança do estado, José Mariano Beltrame, em 2007, afirmando, sobre uma megaoperação policial que causou muitas mortes em uma favela, que “é uma guerra, e em uma guerra há feridos e mortos” (Veja, 31/10/2007).
Parecia consolidada a aprovação oficial às grandes ‘operações’ policiais – um eufemismo para maciças incursões bélicas – nos territórios da pobreza, em uma truculenta política de confronto que passava por cima das consequências letais previsíveis.
Luiz Antonio Machado da Silva
Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro