Estudos sobre como viviam as sociedades pré-coloniais na região da Amazônia estão pondo em xeque interpretações tradicionais sobre o assunto. No lugar de sociedades simples ou com organizações sociais complexas, pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) propõe uma forma diferente de organização social desses povos.
Tradicionalmente, os arqueólogos concebiam as sociedades pré-coloniais da Amazônia como tribos, essencialmente igualitárias.
Na década de 1980, de acordo com concepções neoevolucionistas, novos estudos apontaram que os povos da região teriam uma complexidade social, com a existência de sociedades organizadas de modo centralizado e com poderes hierárquicos, formando os chamados cacicados, categoria anterior ao Estado na nossa concepção de organização social.
Agora, a arqueóloga Denise Gomes aponta outra possibilidade. As pesquisas sobre as antigas sociedades existentes na região de Santarém, no Pará, embora apontem diversos traços de elaboração social, não sugerem a existência de um poder hierárquico e centralizado.
“Não há um modelo pronto. É necessário abrir novamente o debate e nos distanciar das posições polarizadas que caracterizaram a arqueologia amazônica dos anos 1990 (de um lado, sociedades simples e, de outro, sociedades complexas), uma vez que existem diferentes possibilidades de organização social”, diz a arqueóloga.
“Estamos atrás de evidências para entender como esses grupos se organizavam no espaço regional, como interagiam com outros grupos étnicos, que cerimônias possuíam e qual a importância destas. Temos que buscar as especificidades dessas sociedades”, completa.
Cerâmicas reveladoras
Desde 2001, Gomes visita sítios arqueológicos na região de Santarém, em busca de cerâmicas deixadas pelas sociedades pré-coloniais. Nessas incursões, fica alojada em moradias locais, como em uma comunidade tradicional ribeirinha. São realizadas escavações na busca de cerâmicas, para entender como as sociedades primitivas da região se organizavam.
As peças encontradas, como vasilhas para cozinhar e armazenar alimentos e água e vasos iconográficos, trazem pistas para a interpretação da organização social nas sociedades pré-coloniais.
Nos trabalhos já concluídos, os pesquisadores acharam objetos que demonstram a importância das cerimônias xamânicas e outras que mostram a existência de indivíduos de prestígio, mas sem exibir diferenças sociais no interior da comunidade.
A arqueóloga conta que a arte dos tapajós, por exemplo, pelo que se sabe hoje, continha símbolos associados ao conhecimento xamânico, cujas ideias estão presentes nas cosmologias das sociedades indígenas atuais, em vez de símbolos de poder.
Teorias etnocêntricas
Gomes acredita que as interpretações de que esses povos teriam características de organização social hierárquica e centralizada podem ser etnocêntricas, por não levarem em consideração as peculiaridades desses grupos.
Segundo a pesquisadora, os estudiosos tenderiam a defender formas sociais semelhantes às nossas atuais, com a existência de um poder hierarquizado.
“Nossa pesquisa não nega a existência de sociedades complexas. No entanto, discordamos de que não houvesse outras formas de organização, em que a capital e o governo central fossem ausentes”, observa.
A dificuldade de se encontrar contextos arqueológicos preservados é uma das principais barreiras dos pesquisadores. Além dos problemas oriundos do processo de escavação na área urbana de Santarém, existem limites colocados pelos atuais habitantes, uma vez que muitas peças estão dentro de casas e propriedades privadas, onde os moradores não são muito receptivos ou já as venderam para colecionadores.
Com o avanço dos estudos, Gomes espera encontrar mais evidências que comprovem as hipóteses sobre as formas de organização social das comunidades pré-coloniais da Amazônia.
Pedro de Figueiredo
Ciência Hoje/RJ
Texto originalmente publicado na CH 276 (novembro/2010).