Computação quântica: realidade ou precipitação?

Circuito integrado ( chip ) que abriga os 16 bits quânticos do processador ‘Orion’.

No último dia 13 de fevereiro, uma companhia canadense apresentou publicamente o ‘Orion’, nome dado ao que foi amplamente divulgado, na imprensa brasileira e internacional, como o primeiro computador quântico do mundo.

Na realidade, trata-se do protótipo de um processador composto por 16 q-bits ( bits quânticos) cuja funcionalidade foi demonstrada pela resolução de alguns problemas lógicos. Apesar de o dispositivo ainda contar com um número de elementos muito pequeno (o que não o candidata a competir com nenhuma máquina convencional de computação), a empresa promete apresentar um processador com 1.024 q-bits até o final do ano que vem. Nesse caso, estaríamos, sem dúvida, diante de um outro patamar de eficiência, o que certamente viabilizaria definitivamente a idéia da tão almejada computação quântica.

A reação gerada pelo ‘Orion’, dispositivo apresentado pela companhia D-Wave Systems, foi muito variada: de mensagens eletrônicas de pleno entusiasmo dos que torcem por um desenvolvimento relâmpago da computação quântica até declarações mais céticas de profissionais que coordenam programas destinados à viabilização de projetos nessa área. Minha intenção neste artigo é explicar ao leitor o porquê dessa segunda posição, um tanto ortodoxa, defendida por renomados cientistas da área. Antes, porém, vou apresentar alguns conceitos para situar o leitor nesse debate.

Os computadores convencionais funcionam com base na lógica binária. Todas as funções possíveis em uma dessas máquinas (por exemplo, geração e armazenamento de mensagens ou operações matemáticas) são executadas pela codificação dos elementos a serem usados (letras, números ou símbolos de pontuação) por números de um sistema binário. Isso significa que todos os símbolos que precisamos são representados por uma série de ‘zeros’ e ‘uns’ que se dispõem alternadamente. Por exemplo, enquanto precisamos de 10 símbolos para descrever os números no sistema decimal (0, 1,…, 9), são necessários apenas dois (0 e 1) para descrevê-los no sistema binário (decomposição em potências de 2). Por exemplo, o número 4 pode ser escrito nesse sistema como 4 = 1 x 2 2 + 0 x 2 1 + 0 x 2 0 , que representamos pela seqüência ordenada dos três algarismos que multiplicam as potências de 2 envolvidas, ou seja, 100. Assim, podemos codificar tudo o que necessitarmos por longas seqüências compostas pelos algarismos 0 e 1.

Para fazer composições ou operações com essas seqüências, precisamos, obviamente, gerá-las fisicamente. Assim, cada algarismo da seqüência deverá ser gerado por algum elemento físico que, quando excitado, responde com 0 ou 1. Esses são os chamados bits , abreviatura para (bi)nary digi(t) . Várias são as possibilidades de implementação dos bits : por exemplo, um pequeno circuito elétrico fabricado de forma a conduzir corrente elétrica se sujeito a uma voltagem maior que um determinado valor (mas que não produz qualquer corrente se a voltagem for menor que esse valor de referência). Nesse caso, associamos o algarismo 1 à presença de corrente; e 0, à sua ausência. Compondo, então, vários desses minúsculos circuitos, podemos gerar a seqüência que quisermos. Os computadores que conhecemos em nosso cotidiano, apesar de extremamente complexos, baseiam-se em idéias simples, como a descrita aqui.

Outro processo que nos surpreende a cada dia é o da miniaturização dos dispositivos usados nos computadores convencionais. Isso se reflete no tamanho das máquinas disponíveis no mercado hoje em dia. Um simples laptop tem atualmente uma capacidade computacional muito maior que grandes máquinas da década de 1960. O processo de miniaturização aqui mencionado se deve a avanços relativos à manipulação da matéria em escalas de comprimento que já chegam a nanômetros, ou seja, um bilionésimo (10 -9 ) do metro.

Por outro lado, nessa escala de comprimento, algo novo entra em cena: a mecânica quântica.

Amir Ordacgi Caldeira
Instituto de Física Gleb Wataghin,
Universidade Estadual de Campinas (SP)

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