Muita gente desconhece o impacto ambiental gerado pelo tingimento de suas roupas. Os corantes usados em escala industrial costumam ser sintéticos e geram resíduos potencialmente tóxicos. Pesquisas recentes mostram que a produção de corantes naturais é uma alternativa viável e mais segura ambientalmente.
Em sua dissertação de mestrado em recursos florestais na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), Ticiane Rossi desenvolveu corantes têxteis a partir do resíduo da produção de óleo essencial de folhas e galhos de eucalipto. A produção desses corantes renováveis requer menos água e impacta menos o ambiente em comparação aos agressivos corantes sintéticos.
“Mas há corantes naturais que podem causar danos à saúde. Portanto, não podemos generalizar acreditando que uma substância seja 100% inócua. É preciso analisar cada caso”, esclarece Rossi.
Raros e caros
Ao longo da história do tingimento, corantes naturais de procedência vegetal e animal foram largamente utilizados, como o vermelho do urucum e a brasilina, extraída do pau-brasil. O ácido carmínico, também de coloração avermelhada, produzido pelo inseto cochonilha (Dactylopius coccus), como forma de proteção contra predadores, até hoje é usado em alimentos e cosméticos.
Muitos desses corantes eram raros, caros e com propriedades indesejadas para determinados usos, o que trouxe a necessidade de novas fontes. Segundo a pesquisadora, no final do século 19, os corantes sintéticos substituíram quase totalmente os naturais, mas hoje estes voltaram a ganhar espaço, visando reduzir os danos à saúde e ao ambiente.
Desde a graduação, Rossi pesquisa, nos Laboratórios Integrados de Química, Celulose e Energia (LQCE), novas fontes para corantes a partir de resíduos florestais, como serragem e folhas.
Após bons resultados na obtenção de corantes a partir da serragem de árvores brasileiras, como jatobá, angelim, sucupira, cabreúva, imbuia e cedroarana, a pesquisadora se voltou para as folhas da australiana Corymbia citriodora (antes chamada de Eucalyptus citriodora), espécie largamente cultivada no Brasil. Foi a partir do resíduo da produção do óleo essencial de suas folhas que ela desenvolveu um corante natural, que já patenteou.
Resíduo ou corante?
O aromático Corymbia citriodora é uma espécie florestal de vasto potencial comercial. Sua madeira é resistente, mas propícia ao trabalho manual. É uma excelente alternativa para construção civil, confecção de móveis, postes, dormentes e lenha. E suas folhas, impregnadas de citronelal (substância com acentuado cheiro cítrico), possibilitam a produção de óleos essenciais que são usados como aromatizantes em desinfetantes, saunas e banheiros, além de balas e chicletes. O Brasil é líder na produção desse versátil óleo.
O óleo essencial é produzido por destilação, a partir de folhas e pequenos galhos cozidos em água fervente. O vapor gerado é resfriado, permitindo recuperar o resíduo. Com coloração escura, esse resíduo apresenta-se diluído na água. Para aumentar o teor de sólidos e taninos (substâncias efetivamente corantes), seca-se a solução obtida até a redução de 14 vezes do volume do efluente.
Ao corante natural podem ser adicionadas substâncias como sulfato de ferro e alumínio, que ajudam a fixação da cor no tecido e permitem maior versatilidade nas cores obtidas, que variam entre cinza, marrom e ocre.
Em parceria com uma empresa, Rossi prepara esses corantes para aplicação comercial. Os custos de produção ainda são maiores do que os dos corantes sintéticos. Porém, além do processo sustentável, a procedência natural do produto agrega valor à peça tingida. “Torna-se uma alternativa para um público que não se importa em pagar um pouco mais em troca de um produto com viés ecológico. O mercado de corantes naturais para aplicação têxtil é voltado a esses consumidores”, aposta Rossi.
Rafael Foltram
Especial para Ciência Hoje/ SP
Texto originalmente publicado na CH 291 (abril de 2012).