Entrevista: Suzana Pérez Barrera Pérez – Inclusão para superdotados


Quando se fala em educação inclusiva, logo se pensa na abertura de oportunidades para alunos com algum tipo de deficiência, que sofrem com a falta de condições de acesso às escolas consideradas ‘normais’. Na contramão dessa linha de raciocínio, há o caso do superdotado, pouco lembrado pelos educadores. Embora essa criança não tenha dificuldade de ingresso em um estabelecimento de ensino, é ali que a exclusão se manifesta. Ela tenta acompanhar o ritmo ‘normal’ das aulas, mas, entediada, muitas vezes acaba prejudicando a turma. Resulta daí sua expulsão da escola, sob o argumento da falta de condições para ser adequadamente atendida.

Suzana Pérez Barrera Pérez, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação.

Superdotados – ou indivíduos com altas habilidades –, diferentemente do que se imagina, enfrentam sérios obstáculos nos estudos e requerem atendimento especial desde o ensino básico. No Brasil existem cerca de 8 milhões de pessoas com capacidade cognitiva acima da média da população, segundo a Organização Mundial da Saúde. Embora essa estimativa se assemelhe à do número de pessoas com deficiência, o foco da educação especial está – como sempre esteve – no deficiente e faltam profissionais que dêem assistência adequada a indivíduos com altas habilidades. O problema se manifesta também no campo da pesquisa: o país dispõe de apenas seis doutores que centraram suas investigações na superdotação.

A educadora Susana Pérez Barrera Pérez está prestes a se tornar a sétima doutora brasileira nessa área, mas é vista e respeitada como veterana até por seus professores, tal sua experiência com superdotados. Há mais de uma década ela dedica-se integralmente ao tema e ocupa hoje a presidência do Conselho Brasileiro para Superdotação, além de ser consultora da Unesco no Núcleo de Atividades em Altas Habilidades e Superdotação do Rio Grande do Sul. Recentemente, de passagem por Curitiba, onde participou do 1º Seminário de Altas Habilidades e Superdotação, organizado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pérez falou sobre o tema de sua especialidade em entrevista exclusiva à Ciência Hoje.

Laura Ceretta Moreira
Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais,
Universidade Federal do Paraná
e Célio Yano
Especial para Ciência Hoje/PR


Por que a senhora se interessou pela educação de superdotados?

Esse interesse surgiu em 1996 a partir de uma necessidade pessoal. Tenho dois filhos superdotados. Essa constatação, naturalmente, gera grande ansiedade nos pais: “Meu filho é superdotado; o que vou fazer com ele agora?”. Meus filhos faziam perguntas em excesso às pessoas com as quais conviviam, e eu recebia muitas queixas da escola. Comecei então a investigar o tema e acabei me interessando profundamente por ele. Hoje trabalho sobretudo com isso.

Quais as dificuldades da escola para lidar com superdotados?
Por ter capacidade de assimilação acima da média dos colegas, a criança superdotada não consegue se concentrar nas aulas a partir de determinado momento. Ela fica entediada, desinteressada, e só quer fazer o que a diverte. Em geral o professor considera que o aluno está desmotivado. Ele não percebe que o interesse desse aluno está, na verdade, fora da escola. Não vê que o desinteresse provém justamente da incapacidade do mestre de propor algo que o estimule.

Que conduta os educadores de superdotados devem ter?
A literatura internacional sobre o tema registra várias metodologias. Em muitos países, é comum a compactação curricular: os conteúdos que o aluno já domina são comprimidos e aprofundados segundo o ritmo pessoal, para que a criança não tenha tempo ocioso. A dificuldade da adoção dessa abordagem no Brasil é que, se aqui já é difícil acompanhar os alunos em turmas ‘normais’, o que dizer de dar acompanhamento individual. A ‘aceleração’ é a abordagem mais conhecida: o aluno adiantado ‘pula’ um ano de seus estudos regulares. É uma prerrogativa da legislação brasileira, mas tenho reservas quanto a esse procedimento. Os alunos que são ‘acelerados’ podem ser prejudicados em sua socialização e na parte emocional, por terem se afastado de sua turma de iguais. O método do enriquecimento, bastante aplicado no Brasil, é mais adequado. O aluno com altas habilidades freqüenta sua turma regularmente e no contra-horário recebe atendimento individual de um professor especializado, que irá trabalhar com projetos específicos. Ao voltar para a sala de aula, o aluno suporta o conteúdo que considera superado por ter uma motivação, uma espécie de ‘válvula de escape’. Assim o superdotado não perde o contato com colegas da mesma idade nem o convívio em grupo.

As altas habilidades manifestam-se apenas no aspecto cognitivo?
Não. A ginasta Daiane dos Santos, por exemplo, tem alta habilidade na área corporal-cinestésica. Na área cognitiva, ela não precisa necessariamente ter o mesmo comportamento. Uma pessoa com altas habilidades se destaca por três características marcantes: tem capacidade acima da média em uma ou mais áreas específicas, mas é absolutamente ‘normal’ em outros campos; envolve-se demasiadamente com uma área – como o personagem do filme Billy Elliot [do diretor inglês Stephen Daldry, lançado em 2000], sobre um garoto cuja vida gira em torno da dança: ele dança no quarto, vai para a escola dançando, faz aulas de dança, lê sobre dança… –, algo muito próprio de pessoas com alta habilidade; possui elevado potencial para realizar coisas novas, criativas, na área em que tem capacidade acima da média. Muitas vezes não se consegue identificar claramente esses três atributos. Algumas pessoas não têm oportunidade de demonstrar sua criatividade ou de se envolver com seu aspecto mais desenvolvido.

Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 245.
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