Rio de Janeiro

A química capturou João Paulo André ainda no ensino médio. E a ópera, nos tempos da faculdade. Anos de convivência dele com essas duas paixões imediatas deram-lhe, ao menos, uma certeza: havia muito em comum entre essa arte e aquela ciência.

André mergulhou na interseção de ambas. E, em 2011, no Ano Internacional da Química, emergiu com seus resultados. Apresentou-os para o meio acadêmico. E, depois, para o grande público. Sucesso de crítica entre as duas audiências.

Agora, a mídia deu destaque para o artigo em que André detalha as relações – por vezes, perigosas; por vezes, cômicas – entre química e ópera.

Nesta entrevista à CH, André – professor e pesquisador da área de química inorgânica e bioinorgânica da Universidade do Minho (Portugal) – explica como, quando e por que venenos, poções e elementos químicos, entre outros temas científicos, foram cantados e interpretados nos palcos nos últimos três séculos.

Revista CH: Como a química e a ópera entraram na vida do senhor?
João Paulo André: A química entrou aos 14 anos de idade, quando, pela primeira vez, comecei a estudá-la, no ensino médio. Ela me atraiu de imediato. Quanto à ópera, foi um processo gradual. Na faculdade, eu integrava o Orfeão Acadêmico de Coimbra e ali adquiri gosto pelo canto. Foi também na faculdade que assisti à minha primeira ópera, La Traviata.

Olhando para trás, vejo agora que foi um processo longo, tanto na aprendizagem da química quanto da ópera. Contudo, estamos sempre aprendendo coisas novas, e, por vezes, isso se dá pela nossa capacidade de relacionar coisas que já conhecíamos.

No final do século 18 e início do seguinte, ocorreram na física descobertas e teorias importantes: eletromagnetismo, teoria do calor e teoria ondulatória da luz. Mas a química parece ter ecoado mais fortemente nas óperas. Por quê?
É uma questão muito interessante. De fato, ao longo dos tempos, a química foi a ciência que mais passou para o mundo da ópera. Acho que isso ocorreu devido à forma como, hoje e sempre, a química tem estado presente em nossas vidas, principalmente por meio da medicina e da farmácia. Quanto a esta última, não deveremos esquecer que, ao longo da história, grandes químicos foram farmacêuticos, como o sueco Carl Scheele [1742-1786], codescobridor do oxigênio, com [o francês Antoine] Lavoisier [1743-1794] e [o britânico Joseph] Priestley [1733-1804].

A química foi a ciência que mais passou para o mundo da ópera. Acho que isso ocorreu devido à forma como, hoje e sempre, a química tem estado presente em nossas vidas

A farmácia afigurava-se ao grande público dos finais do século 18 – data do início da química moderna – como o grande reduto desta ciência. Portanto, não é de se admirar que várias óperas desse período e do início do século seguinte ocorram em farmácias e tenham farmacêuticos como personagens. Sempre existiu e existirá o Zeitgeist, ou seja, o espírito de uma época.

Exemplos disso são Der Apotheker, do [austríaco Joseph] Haydn [1732-1809], e Il Campanello, do [italiano Gaetano] Donizetti [1797-1848] – por sinal, ambas cômicas. A primeira é de 1768, de uma época em que, em Estocolmo, Scheele fazia investigações que se tornariam sua grande contribuição à química.

É também interessante notar que Il Campanello, de 1836 – cujo libreto faz referência a uma parafernália de compostos, alguns bastante tóxicos –, surge quando a química moderna, embora recente, progredia velozmente no isolamento e na caracterização de muitos produtos naturais – principalmente, os alcaloides.

O senhor poderia comentar Cosi fan tutte, do austríaco Wolfgang Mozart [1756-1791], em que há referências ao hipnotismo e ao magnetismo?
Acho muito relevante essa referência ao [médico alemão] Franz Mesmer [1734-1815] e à sua influência em Mozart. Em Cosi fan Tutte, o magnetismo animal, ou mesmerismo, é parodiado.

Os caminhos de Mozart e Mesmer se cruzaram. Em 1768, em uma visita de Mozart a Viena – ele tinha 12 anos de idade –, Mesmer lhe encomendou a composição de uma ópera, Bastien und Bastienne, que inclui o personagem Colas, um alquimista.

Vale lembrar que Lavoisier foi nomeado pelo [rei francês] Luis XVI [1754-1793] para integrar uma comissão de averiguação da autenticidade dos tratamentos ‘médicos’ de Mesmer. Depois de ter tido problemas em Viena, Mesmer também foi impedido de exercer [o hipnotismo] em Paris. Contudo, apesar desses revezes, o mesmerismo acabou por ter forte influência no interesse que o hipnotismo e o sonambulismo vieram a despertar.

Nos seus ‘tratamentos’, Mesmer usava frequentemente o som da harmônica de vidro e não é por acaso que Lucia di Lammermmor, a ópera de 1835 de Gaetano Donizetti, inclui uma cena de loucura com acompanhamento musical com esse instrumento, e que a ópera La Sonnanbula, do [italiano Vincenzo] Bellini [1801-1835], que estreou em 1831, tem uma sonâmbula como personagem principal. Também na ópera Macbeth, do italiano Giuseppe Verdi [1813-1901], há uma cena de sonambulismo, tal era o fascínio que esse fenômeno exercia no público.

Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 304. Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral. PDF aberto (gif)

Outros conteúdos desta edição

614_256 att-22308
614_256 att-22306
614_256 att-22304
614_256 att-22302
614_256 att-22300
614_256 att-22298
614_256 att-22294
614_256 att-22292
614_256 att-22290

Outros conteúdos nesta categoria

614_256 att-22975
614_256 att-22985
614_256 att-22993
614_256 att-22995
614_256 att-22987
614_256 att-22991
614_256 att-22989
614_256 att-22999
614_256 att-22983
614_256 att-22997
614_256 att-22963
614_256 att-22937
614_256 att-22931
614_256 att-22965
614_256 att-23039