O último imperador do Brasil, D. Pedro II, era alvo de piadas na imprensa de sua época por estar sempre dormindo, fosse em palestras ou em apresentações teatrais. Para os oposicionistas do império, a sonolência do líder da nação era sinal de seu desinteresse pelo país. Mas um levantamento histórico feito por pesquisadores das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de São Paulo (USP), e publicado na revista científica Arquivos de Neuro-psiquiatria, sugere que, na verdade, Pedro II sofria de apneia do sono tipo obstrutivo. Essa doença causa falta de ar durante o sono, fazendo com que a pessoa desperte repetidas vezes durante a noite e fique sonolenta de dia.
Segundo o neurologista Rubens Reimão, da Divisão de Neurologia Clínica do Hospital das Clínicas da USP e um dos autores do trabalho, a ideia do estudo surgiu quando leu sobre a excessiva sonolência de Pedro II. “Ele pareceu ter todos os sinais de alguém que sofre de apneia do sono, uma das possíveis causas desse problema”, comenta Reimão, que também estuda a história da neurologia. Para confirmar sua hipótese, o cientista contatou dois colegas da UFRJ e os três iniciaram um amplo levantamento bibliográfico de documentos históricos, incluindo fotos, diários, cartas e reportagens de jornais e revistas da época.
A apneia do sono tipo obstrutivo é oito vezes mais comum em homens do que em mulheres, afetando 5% da população masculina mundial, segundo os dados da literatura, embora estudo recente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sugira que o mal seja mais comum do que isso. “Os sintomas costumam aparecer na meia idade e foi justamente nessa época da vida que D. Pedro II começou a apresentar o problema de sonolência”, conta o neurologista.
Outra característica associada a essa doença é a obesidade, que aumenta as chances de sua incidência. “A apneia do sono ocorre porque os músculos da faringe ficam flácidos e, com o relaxamento natural do corpo à noite, eles fecham essa passagem, bloqueando o fluxo de ar para os pulmões”, explica Reimão. Nos obesos, a gordura se deposita nas paredes da faringe, diminuindo o calibre do tubo e agravando o problema.
A obesidade de Pedro II foi confirmada por meio das várias fotos históricas e de matérias jornalísticas, inclusive do exterior, que comentavam o excesso de peso do imperador brasileiro. “Se alguém se basear nas pinturas, nunca vai achar que ele era obeso, já que os artistas sempre o retratavam de maneira esbelta. Mas as demais fontes mostram que a situação era outra”, observa Reimão.
Para os autores do artigo, os indícios são fortes de que Pedro II sofria de apneia do sono tipo obstrutivo. Segundo eles, nenhuma das outras possíveis causas para sonolência excessiva, como, por exemplo, a narcolepsia (doença que faz o indivíduo adormecer subitamente), se encaixa nas características apresentadas pelo imperador.
A pesquisa faz um resgate histórico da figura do monarca e chama a atenção para uma doença que pouca gente sabe que tem. “No final do século 19, nem se conhecia esse mal, mas hoje já existe tratamento. Um dispositivo chamado CPAP [sigla em inglês] bombeia ar comprimido por um pequeno tubo direto no nariz do paciente, permitindo que ele tenha uma noite tranquila de sono”, conclui Reimão.
Fred Furtado
Ciência Hoje/RJ