Esta entrevista começou a ser realizada em uma pequena sala do antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) – atual Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) – onde, por 30 anos, trabalhou o cientista social Luiz Werneck Vianna. Era tempo de reformulações e, um ano mais tarde, a entrevista prosseguiu em nova sala, dessa vez no Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde, além de professor, Werneck Vianna é coordenador do Cedes (Centro de Estudos Direito e Sociedade).
A sala é outra, mas lá estão as mesmas estantes repletas de livros, as obras de Karl Marx (1818-1883) e Antonio Gramsci (1891-1937) em vários idiomas, além de títulos sobre direito e outros da sua própria autoria, como os clássicos Liberalismo e sindicato no Brasil, reeditado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2000, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997), pelo qual recebeu o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional; A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999), um dos frutos da agenda de pesquisas sobre direito, percorrida com Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios e Marcelo Burgos; e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Marx e Gramsci nos observam em retratos em preto-e-branco, fixados nas paredes. “Sou um velho comunista”, diz Werneck Vianna, “porém sem partido”.
Há um ano, a conversa começou de maneira previsível: falou-se sobre o resultado das eleições presidenciais. Werneck Vianna fez, então, uma análise política que combinava o longo curso da história brasileira com o resultado contextual das urnas. Dessa vez, a entrevista teve início com um sumário dos seus artigos sobre conjuntura, publicados nos jornais Valor e O Estado de S. Paulo, dentre outros, e que acabam de ter uma primeira seleção editada – A modernização sem o moderno (Brasília, Fundação Astrogildo Pereira, 2011).
É prazeroso ver e ouvir um intelectual com 50 anos de experiência dedicado ao estudo da política – quando não a ela própria – organizando suas ideias, refletindo ao ritmo das perguntas. “O mundo está ficando mais duro, mais difícil. Agora, se trata de operar o lançamento de um capitalismo fundamentalmente moderno no Brasil.”
A excelência de sua produção intelectual e a constante preocupação em utilizá-la para decifrar o nosso país o aproximou de outros pensadores de primeira linha, como o historiador José Murilo de Carvalho, membro das academias brasileiras de Letras e de Ciências. Eles se conheceram no Iuperj, em 1978, e lá conviveram por cerca de 20 anos. “De início, tínhamos pouco em comum. Mas logo nos aproximamos e passei a admirá-lo como pensador e intelectual público. Só tive que me acostumar ao seu estilo de falar, pontuado por longas pausas. No começo, achava que ele perdia o rumo do raciocínio. Depois descobri que era um estilo de pensar, ou uma técnica retórica para criar suspense”, comenta Carvalho.
O reconhecimento mais recente do valor da obra desse carioca nascido em 1938, pai de quatro filhos e avô de oito netos, é a criação da cátedra Luiz Werneck Vianna na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O lançamento foi marcado com o 1º Seminário da Cátedra Luiz Werneck Vianna, realizado pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais do Instituto de Ciências Humanas da UFJF, em dezembro de 2010.
O seminário reuniu grandes nomes das ciências sociais brasileiras, com conferências de José Murilo de Carvalho e Francisco Weffort, mas também abriu espaço para a participação de jovens praticantes da disciplina, recém-doutores ou alunos em estágio final de formação. O resultado é o que se encontra no livro Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, que acaba de ser publicado pela editora da UFJF, sob a coordenação de Ruben Barbosa e Fernando Perlato.
O título foi extraído de uma afirmação da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, que se aproximou de Werneck Vianna quando ele presidia a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e ela era membro do Comitê Acadêmico da entidade. “Não lhe interessa”, diz Schwarcz, “a cópia de conceitos e modelos, mas sim a sua tradução e absorção a partir de interesses e lógicas locais. A realização plena da democracia é seu tema teórico e prático. Por isso ele mistura reflexão e militância com maestria e determinação. Autor de uma sociologia indignada faz da indignação uma forma de ser e estar no mundo. Vale muito estar perto dele, na sua órbita luminosa”.
Para Luiz Werneck Vianna, tudo isso – a criação da cátedra, a publicação do livro em sua homenagem, o Prêmio Florestan Fernandes 2011, concedido pela Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), e este perfil para a revista Ciência Hoje – é uma grande honra. Mas ele não demonstra entusiasmo e faz mais uma reflexão: “Minha vida não é linear… É feita de saltos, interrupções, corridas e paradas… Se fosse uma linha contínua, como a da maioria das pessoas, seria mais fácil responder a esta entrevista…” Sem dúvida, Luiz Werneck Vianna não é uma pessoa comum.
Maria Alice Rezende de Carvalho
Departamento de Sociologia e Política
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Valéria Martins
Especial para Ciência Hoje/RJ