Combater as baratas com a ajuda de alguns inimigos naturais é a estratégia que o Laboratório de Entomologia Médica do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vem estudando, com resultados animadores. Sob a coordenação de Suzete Bressan-Nascimento, os pesquisadores do laboratório vêm estudando vespas que atacam adultos ou ovos de barata – talvez o animal urbano mais conhecido do mundo, devido à repulsa e ao medo que causam nas pessoas. O grupo pesquisa vários aspectos da biologia das vespas, para facilitar sua criação e seu uso contra as baratas, o que permitiria reduzir o emprego de inseticidas.

Embora todos tenham alguma experiência pessoal para contar sobre baratas, e existam até estudos de psicologia sobre o horror que esse inseto provoca em alguns indivíduos, são poucos aqueles que conhecem o nome científico da mais popular, a espécie Periplaneta americana.

As baratas provavelmente surgiram há mais de 300 milhões de anos, a partir de uma linhagem ancestral de cupins. Hoje, há espécies que vivem em todas as regiões do mundo onde existem humanos, principalmente nos trópicos. A forma humana de exploração do espaço favorece a proliferação de algumas espécies animais, como baratas, formigas, ratos e pombos, enquanto prejudica as demais.

Os transtornos causados pelas baratas vão desde a contaminação de alimentos e ambientes (em hospitais e cozinhas, por exemplo) até o desencadeamento de alergias respiratórias e crises de pânico. Mas elas também prestam serviços, pois consomem e reciclam rapidamente enormes quantidades de lixo e matéria orgânica em decomposição, além de servir de alimento para vários outros animais urbanos. Sua influência no ambiente das cidades é um reflexo de sua abundância e de sua intensa atividade, principalmente nas redes de esgoto e nos cemitérios.

Devido à forte aversão que causam, muito dinheiro é movimentado pelo mercado de inseticidas e empresas desinsetizadoras no esforço de acabar com elas. Variadas formas de extermínio e controle já foram testadas, e recentemente vêm sendo estudados métodos com menor impacto ambiental. Um exemplo é o controle biológico, que tem sido usado com sucesso no Brasil no controle populacional de pragas de plantações. Nesse método, inimigos naturais do inseto-praga que também tenham altas taxas reprodutivas são empregados para reduzir a população deste.

Novo desafio

Fêmea de vespa-jóia (Ampulex compressa) bebe hemolinfa da antena cortada de uma barata Periplaneta americana.

As baratas têm muitos inimigos naturais, desde aves até outros insetos predadores ou parasitóides que põem ovos sobre adultos ou ovos da P. americana para que suas próprias larvas encontrem alimento farto ao nascer. Assim, a pesquisa objetiva buscar insetos que usem as baratas como hospedeiros e que tenham potencial para controle populacional dessa praga. Entre várias opções, três espécies de vespas parasitóides vêm sendo mais estudadas como possíveis candidatos à tarefa: a vespa-jóia (Ampulex compressa), a vespa-bandeira (Evania appendigaster) e uma pequena vespa denominada Aprostocetus hagenowii.

A vespa-jóia tem cerca de 3 cm de comprimento e ganhou esse nome devido à sua cor verde brilhante. Ela imobiliza a barata com uma ferroada no cérebro (dada pelo pescoço), depois arranca suas antenas, bebe um pouco do ‘sangue’ (hemolinfa) que escorre e deixa um ovo sobre o corpo da vítima, que é abandonada em um buraco. A larva da vespa, ao nascer, entra no corpo da barata viva e lentamente come seus órgãos, tornando-se uma vespa adulta em cerca de 20 dias. Ela sai do corpo ressecado da barata por uma abertura no abdômen, no melhor estilo do monstro do filme Alien, o oitavo passageiro. Essa vespa é mais comum nos jardins das residências.

Já a vespa-bandeira mede 1,5 cm, é preta e tem um vôo lento. É comum em volta de redes de esgoto e locais infestados por baratas. Essa vespa busca cápsulas de ovos de baratas – estrutura dura semelhante a um pequeno feijão, chamada de ooteca – para pôr seu ovo lá dentro. O processo de perfuração da casca da ooteca pode levar quase meia hora. Após uns dois dias, nasce uma larva que come todos os ovos e embriões de barata (entre 12 e 15 em P. americana) e depois se metamorfoseia em uma nova vespa-bandeira, que sai da ooteca por um buraco aberto a mordidas.

Já a vespinha A. hagenowii, com cerca de 2 mm, é preta e também bota seus ovos dentro das ootecas. Ela deixa não apenas um, mas vários ovos, que ainda se multiplicam (por poliembrionia, um processo de clonagem) em até 100 larvas. Estas se alimentam de tudo que encontram na ooteca (incluindo outros parasitóides) e, em cerca de 25 dias, emergem de um furo como um pequeno enxame de vespinhas.

Insetos comuns

Macho da pequena vespa Aprostocetus hagenowii, que já é usada nos Estados Unidos no controle biológico de baratas.

Todas essas vespas são comuns em cidades, e sua presença influencia a população local de baratas. No entanto, são desconhecidas pela população (e até por muitos cientistas) e exterminadas com inseticidas. Nenhuma delas é agressiva para os humanos: o ferrão é usado apenas em suas presas. Após os resultados positivos de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, a A. hagenowii já é comercializada naquele país por empresas de controle de baratas, mas experimentos com as demais espécies são escassos no mundo inteiro.

No Brasil, o grupo da UFRJ está estudando a biologia e o potencial de uso dessas vespas, tendo publicado trabalhos sobre o potencial reprodutivo de E. appendigaster e sobre o desenvolvimento de A. compressa em duas revistas internacionais. O grupo também requereu uma patente de tecnologia de criação de vespas parasitóides de ootecas com base no uso de geladeiras. Isso facilita a criação das vespas em larga escala e reduz os custos, algo importante para despertar o interesse comercial nessa forma de controle de baratas. Atualmente, o grupo estuda a influência da temperatura no desenvolvimento desses insetos.

A liberação de vespas parasitóides – aliada ao uso de iscas tóxicas (menos impactantes que os inseticidas) e a medidas preventivas contra a infestação – ajudará a manter as populações de baratas urbanas em níveis toleráveis. Esse tipo de abordagem tem mostrado resultados positivos nas plantações, aumentando o interesse pelo uso do controle biológico na porta de nossas casas. 

Eduardo G. P. Fox
Laboratório de Formigas Urbanas,
Centro de Estudos de Insetos Sociais,
Universidade Estadual Paulista (campus de Rio Claro)
Suzete Bressan-Nascimento
Laboratório de Entomologia Médica,
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho,
Universidade Federal do Rio de Janeiro 

 

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