Morcegos vampiros: sangue, raiva e preconceito

 

A espécie mais comum de morcego vampiro é o Desmodus rotundus (foto: Enrico Bernard)

Morcegos são animais que sempre despertam reações nas pessoas. O tipo de reação varia bastante, mas na maioria das vezes a simples menção da palavra provoca exclamações como “Credo!” ou “Que nojo!” Existe, no entanto, um campeão na aversão por parte da população: o morcego vampiro. Poucos animais são tão mal-vistos e causam tanta repugnância quanto essas interessantes e mal compreendidas criaturas voadoras, que desenvolveram o peculiar hábito de se alimentar de sangue. Este artigo busca esclarecer os mitos que cercam os morcegos vampiros, além de apresentar e discutir informações sobre sua biologia e ecologia.

 
Muitas pessoas têm medo de morcegos por acreditar, erradamente, que todos esses animais – únicos mamíferos voadores – alimentam-se de sangue. Na verdade, das cerca de 1.100 espécies de morcegos conhecidas em todo o planeta, apenas três dependem desse tipo de alimento: o morcego-vampiro-comum ( Desmodus rotundus ), o morcego-vampiro-de-asas-brancas ( Diaemus youngi ) e o morcego-vampiro-de-pernas-peludas ( Diphylla ecaudata ). As três espécies estão restritas à América Latina, sendo que as duas primeiras ocorrem desde o sul do México até o norte da Argentina, em regiões mais quentes. Já D. ecaudata é encontrada do sul do Texas, nos Estados Unidos, ao sudeste do Brasil.
 
Registros fósseis de espécies já extintas de morcegos vampiros indicam que a distribuição desses animais foi mais ampla no passado – alcançando, por exemplo, os estados norte-americanos de West Virginia e Califórnia, ao norte da distribuição atual. De qualquer modo, morcegos vampiros sempre estiveram restritos às Américas e até hoje nenhum fóssil de espécies desse tipo foi achado em outro continente. Essa constatação sempre gera surpresa, já que grande parte da população tende a associar morcegos vampiros às lendas sobre ‘mortos-vivos’ que mordem o pescoço das pessoas para beber seu sangue (como na história do conde Drácula, da região da Transilvânia, na atual Romênia) e a outros mitos europeus.
 
O fato é que os morcegos vampiros ganharam esse nome por causa dessas lendas, anteriores à chegada dos europeus às Américas, e não o contrário. Quando descobriram que tais morcegos consumiam sangue, os exploradores do Novo Mundo, usaram sua herança cultural para batizá-los de ‘vampiros’. Mais tarde, ao descrever outros morcegos do continente, naturalistas – acreditando que também consumiam sangue – batizaram alguns gêneros, erradamente, com nomes referentes a vampiros. Ainda hoje, são válidos gêneros como Vampyrum, Vampyressa, Vampyrodes e Vampyrops , incluindo pouco mais de 10 espécies de morcegos das Américas que comem basicamente frutas — exceto Vampyrum spectrum , um carnívoro.
 
Desmodus rotundus é a espécie mais comum de morcego vampiro. Em função de seu hábito alimentar peculiar, talvez seja uma das espécies de morcegos mais bem estudadas de todo o mundo. Já as outras duas espécies são mais raras e, por isso, suas características são bem menos conhecidas. O morcego-vampiro-comum tem cerca de 35 cm de envergadura (distância entre as pontas das asas abertas), pesa entre 25 e 40 gramas e pode ser considerado de médio porte, comparado às cerca de 150 outras espécies desses animais que ocorrem no Brasil. A pelagem desse morcego é bastante macia, em geral de coloração cinza brilhante, mas pode apresentar também tons avermelhados, dourados ou mesmo alaranjados.
 

Os morcegos vampiros só se alimentam de sangue e não conseguem sobreviver mais de três dias sem ele. O sangue é um tipo de alimento que exige características específicas para seu consumo e, por isso, o morcego vampiro tem várias adaptações nesse sentido. Sua dentição, por exemplo, é bem diferente da de um frugívoro: seus dentes incisivos são maiores, em formato de estilete, mais afiados e projetados para a frente. Isso permite que o animal retire pequenos pedaços de pele e tecido das presas, para obter seu alimento.

Enrico Bernard
Conservação Internacional
(CI Brasil) – Escritório da Amazônia

 

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