Há 100 anos, um jovem físico, trabalhando como técnico de terceira classe em um escritório de patentes em Berna (Suíça), publicou cinco trabalhos. Todos de excelente qualidade. Dois deles mostrariam, com base em teorias simples e elegantes, como poderia ser demonstrada experimentalmente a realidade física de átomos e moléculas, assunto ainda controverso no início do século passado. Poucos anos depois, graças a essas idéias, a teoria atômica receberia sua consagração final, suplantando as dúvidas de seus mais ferrenhos opositores. Os três artigos restantes alteraram profundamente a face da física moderna. No primeiro a ser concluído naquele ano, o jovem rebelde e contestador propôs o que mais tarde ele classificaria como a idéia mais revolucionária de sua vida: a luz, sob certos aspectos, apresenta uma natureza granular. Em junho e setembro, concluiu os dois últimos artigos de 1905 e aos quais seu nome estaria associado para sempre. Eles, em conjunto, dariam origem à teoria da relatividade, que destruiria o caráter absoluto atribuído, durante séculos, ao tempo e ao espaço. Seu nome: Albert Einstein.

Berna (Suíça), meados de maio de 1905. Após uma noite de reflexões intensas, um empregado de terceira classe do escritório de patentes, que mal completara 26 anos, agradece a seu amigo Michele Besso (1873-1955): “Obrigado! Resolvi completamente o problema. Uma análise do conceito de tempo é a solução.” No dia anterior, Albert Einstein (1879-1955) tinha discutido com Besso cada detalhe de uma questão que o perseguia há tempos. Seis semanas depois, enviaria um manuscrito para a prestigiosa revista Annalen der Physik , estabelecendo a relatividade especial e unificando duas áreas da física: a mecânica e a eletrodinâmica. Em setembro, como conseqüência da nova teoria, deduziu a expressão E = mc2. Com essa fórmula ‐ talvez a mais famosa da ciência ‐, fundiu as leis da conservação da massa e da energia. Meses antes, em março, havia proposto uma hipótese radical, que levaria quase duas décadas para ser aceita: a luz exibe um comportamento corpuscular, ou seja, granular.

É impressionante que apenas um cientista, em poucos meses, tenha dado contribuições tão importantes para a ciência e que alteraram profundamente nossas concepções sobre o espaço e o tempo, bem como sobre a estrutura da radiação. Outra revolução, mais silenciosa e que se estendeu por séculos, receberia um impulso essencial de Einstein no mesmo ano: a teoria atômica da matéria. Em abril, com sua tese de doutoramento sobre as dimensões moleculares e, em maio, com sua análise do movimento browniano, ele possibilitou a confirmação experimental definitiva da existência de átomos e moléculas. Não é à toa que 1905 foi designado o annus mirabilis ‐ em latim, ano miraculoso, maravilhoso, admirável ‐ de Einstein. Entre março e setembro, produziu cinco trabalhos extraordinários que mudariam a face da ciência moderna e que o tornariam o cientista mais famoso do século passado.

Uma das mais importantes e intrigantes cartas da história da ciência, de Einstein para seu amigo Conrad Habicht (1876-1958), em maio de 1905, registrou esse momento: “Eu lhe prometi quatro trabalhos. O primeiro trata da radiação e das propriedades energéticas da luz e é muito revolucionário como você verá. O segundo é uma determinação dos tamanhos reais dos átomos a partir da difusão e da viscosidade de soluções diluídas de substâncias neutras. O terceiro prova que, baseado na hipótese da teoria molecular do calor, corpos da ordem de 1/1.000 mm, suspensos em líquidos, devem executar um movimento aleatório observável, que é produzido pelo movimento térmico; de fato, os fisiologistas observaram movimentos de pequenos corpos em suspensão, inanimados, os quais chamam de ’movimento browniano’. O quarto artigo, neste momento apenas um rascunho grosseiro, é uma eletrodinâmica de corpos em movimento, que utiliza uma modificação da teoria do espaço e do tempo.”

Vamos fazer uma incursão por esses trabalhos, que, escritos em estilo conciso e direto, são jóias preciosas da cultura universal. Sempre que possível, nos apoiaremos nas palavras de Einstein. Comentaremos também características de seu autor e aspectos do contexto da ciência, da tecnologia e da cultura de sua época que podem contribuir para um melhor entendimento de sua façanha.

Ildeu de Castro Moreira
Instituto de Física,
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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