O excêntrico multimilionário Kike Trapista era um homem de hábitos curiosos. Por vezes, empenhava-se em algum projeto mirabolante. Um deles, o projeto de uma casa enorme com muitas portas, tornou-se tarefa árdua para seus arquitetos, por causa de duas exigências do Sr. Trapista: 1) cada cômodo deve ter um número par de portas; 2) o número de portas externas deve ser ímpar.
Os arquitetos quebraram a cabeça, tentando transformar o sonho do Sr. Trapista em realidade. Mas, por mais que tentassem, não conseguiram. Por quê?
Vamos analisar o que se passa em uma casa construída daquela maneira. Em primeiro lugar, há dois tipos de portas: internas e externas. Portas internas fazem a comunicação entre dois cômodos – portanto, cada uma delas pertence a dois cômodos. Portas externas dão para o exterior da casa e, assim, pertencem a só um cômodo.
Como isso nos ajuda a descobrir o que está errado no projeto do Sr. Trapista?
Frequentemente, em matemática, depois de muitos insucessos, devemos levantar a hipótese de que pode não haver solução para o problema – claro que é sempre possível que a solução seja muito complicada, daí não a encontrarmos. Nesse caso, porém, veremos que é impossível realizar o sonho do Sr. Trapista. Para isso, mostraremos que seu pedido é contraditório, uma impossibilidade matemática.
Para mostrarmos que a tal casa não existe, façamos o seguinte: como cada porta tem duas maçanetas (uma de cada lado), pintemos as maçanetas internas de branco e as externas de preto.
Primeira pergunta: o número total de maçanetas é par ou ímpar? Resposta: par, pois cada porta tem duas delas.
Segunda pergunta: o número de maçanetas brancas é par ou ímpar? Resposta: par, porque cada quarto deverá ter um número par de portas (exigência 1 do Sr. Trapista).
Terceira pergunta: o número de maçanetas pretas é par ou ímpar? Resposta: deve ser ímpar, pois a segunda exigência do Sr. Trapista é que o número de portas externas seja ímpar.
É possível satisfazer ao capricho do Sr. Trapista? Resposta: não!
Razão: a condição 1 requer um número par de maçanetas brancas; e a condição 2, um número ímpar de maçanetas pretas. Então, se somarmos brancas e pretas, teremos um número ímpar de maçanetas (lembre-se de que par + ímpar = ímpar).
E, agora, o golpe de misericórdia… Como resposta à primeira pergunta, mostramos que o número total de maçanetas deve ser… par!
Total absurdo! Eis por que os arquitetos não conseguiam projetar a tal casa.
O Sr. Trapista aprendeu que sonhar é importante, mas, às vezes, deve-se fazê-lo com aquilo que é (matematicamente) possível.
Marco Moriconi
Instituto de Física,
Universidade Federal Fluminense