A conclusão de um novo estudo sobre a origem de uma família de línguas – à qual pertence o português – tirou o cavalo de cena e pôs a agricultura. E deslocou o local de nascimento da Ucrânia para a Turquia. As mudanças propostas causaram polêmica.
A nova hipótese – e, por enquanto, apesar de elogiada, ela é só isso – defende que a família das línguas indo-europeias, que reúne centenas de idiomas e dialetos tão díspares quanto o russo e o português, nasceu no contexto da expansão das técnicas de agricultura, a partir da Anatólia (hoje, Turquia), para a Europa e a Ásia. E isso se deu entre 8 mil e 9,5 mil anos atrás.
Para chegar a essa conclusão, os autores – liderados por Russel Gray e Quentin Atkinson, ambos da Universidade de Auckland (Nova Zelândia) – usaram modelos computacionais semelhantes aos empregados no estudo sobre epidemias. E a estratégia pressupunha que palavras sofrem ‘mutações’, como os genes, sendo possível, portanto, com base nessa ‘evolução’, avaliar a idade e origem delas, como as de uma espécie.
Dá para notar como o vocabulário biológico permeia a linguística histórica: família (para alguns, filo), gene, mutação, evolução…
Essa linha de pesquisa, que ganhou força na última década, é polêmica entre linguistas. Os defensores dessa abordagem alegam que sua força reside justamente na interdisciplinaridade. Na equipe de Gray e Atkinson, há pesquisadores da área de informática, microbiologia, psicolinguística, neurociência, psicologia, ecologia, filosofia, estatística, genética, antropologia, entre outras especialidades.
A equipe internacional, que publicou o novo estudo em agosto na Science, diz ter objetivo simples: mostrar que o método empregado – que responde pelo pomposo e impenetrável nome de abordagem bayesiana filogeográfica – pode resolver debates sobre a pré-história dos humanos, incluindo, obviamente, a origem da linguagem.
Há cerca de 10 anos, Gray e Atkinson causaram polêmica ainda maior: usaram modelos computacionais próprios da ecologia para mostrar que as línguas indo-europeias haviam surgido entre 7,8 mil e 9,8 mil anos atrás. Na época, revelaram o ‘quando’ (Nature, v. 426, p. 435, 2003). Faltava – o que foi feito agora – indicar o ‘onde’.
Ressalte-se que a hipótese da Anatólia/agricultura é minoritária entre especialistas. A mais aceita é a dos chamados kurgans, guerreiros nômades que habitaram as estepes Pontic (hoje, Ucrânia). Nesse cenário, a disseminação da família de línguas indo-europeias teria se iniciado há cerca de 6 mil anos. E essa dispersão teria muito a ver com a mobilidade fornecida pelo uso de cavalos.
As principais evidências a favor da hipótese dos kurgans vêm da paleontologia linguística e da arqueologia. A primeira indica a origem temporal dos veículos com rodas em torno de 6 mil anos atrás; a segunda mostra que há palavras, em todas as línguas indo-europeias, relacionadas a esse tipo de transporte.
Nas palavras de um especialista, a aceitação da nova hipótese – se isso ocorrer – será demorada. E polêmica.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 297 (outubro de 2012).