O desmatamento na Amazônia deve estar contribuindo de alguma forma para a atual seca que atinge o Sudeste, mas não temos dados para explicar uma queda de precipitação tão drástica somente por essa contribuição.
A ligação entre a reciclagem de água pela floresta amazônica e o transporte de vapor d’água do Norte do país para o Sudeste, nos chamados ‘rios voadores’, é bem documentada. Escrevi sobre esse tema na Ciência Hoje há uma década (‘A água de São Paulo e a floresta amazônica’, em CH 203). No entanto, a redução das chuvas no Sudeste, este ano, é muito desproporcional em relação ao aumento da área desmatada de 2013 para 2014. Algum tipo de quebra nos jatos de nível baixo – ventos que transportam vapor d’água na baixa atmosfera – poderia explicar a diferença, mas os dados existentes não permitem afirmar que isso aconteceu.
Outros fatores também podem ter influenciado a atual seca. Estamos no início do fenômeno El Niño (o aquecimento excessivo das águas do oceano Pacífico, que afeta o clima da América do Sul), mas este não mostra severidade fora do normal, capaz de explicar a seca. As águas do oceano Atlântico, diante do litoral do Sudeste, também estão mais quentes que o normal, o que deve influenciar o padrão de chuvas. Além disso, uma massa de ar estacionada sobre o estado de São Paulo inibiu a entrada de frentes frias vindas do sul do continente, que normalmente provocam condensação de vapor d’água e geram precipitação.
Apesar da incerteza sobre as causas da seca, é importante aprender as lições que essa ocorrência nos ensina. A primeira lição diz respeito ao ‘desenvolvimento’ da Amazônia: se este continuar a seguir o curso atual, com planos para a construção de rodovias, barragens e outras estruturas que contribuem para o desmatamento, e com subsídios para a destruição da floresta, em uma larga gama de políticas perversas, faltará água, sim, em São Paulo. Nesse caso, porém, a falta não estará associada apenas a uma variação de chuvas de um ano para outro: será permanente.
Já a segunda lição está ligada aos efeitos do aquecimento global. A variabilidade climática dita ‘natural’ vem aumentando devido a esse aquecimento. Isso significa que eventos extremos do clima, como secas e inundações, serão cada vez mais severos e mais frequentes, em comparação com os padrões históricos.
Fica evidente a necessidade não apenas de adaptação às novas condições, mas também de luta contra o chamado efeito estufa. O combate às causas das mudanças climáticas precisa ser feito de modo muito mais sério do que tudo o que se viu até agora. A posição do Brasil nessa questão continua a ser a que o país apresentou na Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Durban, na África do Sul, em 2011: a de que o país aceitaria uma meta de redução de emissões (de gases que contribuem para o efeito estufa), dentro da Convenção de Clima, mas somente se todos os outros países do mundo concordassem em fazer o mesmo. É uma fórmula para não assumir nenhum compromisso vinculante.
Espera-se que os eventos atuais – como a drástica seca em São Paulo – levem a uma mudança na posição brasileira em relação às mudanças climáticas: com isso, o país assumiria um papel de liderança nessa questão, em vez de adotar a estratégia de ser o último a ‘entrar no bonde’. Essa mudança estaria fortemente vinculada ao interesse nacional, porque o Brasil está entre os países que mais sofrerão se uma redução nas emissões globais não acontecer a tempo.
Philip M. Fearnside
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
Texto originalmente publicado na CH 322 (janeiro/fevereiro de 2015). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.