David Nutt, professor catedrático de neuropsicofarmacologia do Imperial College, em Londres, escreve artigo corajoso para a The Scientist. Com o sugestivo título ‘Bebidas sintéticas’, propõe que a indústria farmacêutica e a academia unam seus conhecimentos para desenvolver moléculas artificiais que tenham os mesmos efeitos do álcool sobre o cérebro, sem os efeitos colaterais da bebida. E mais: que tenha antídoto, o que não ocorre com o álcool.

O cenário descrito por Nutt inquieta: em dez anos, as mortes por problemas no fígado irão ultrapassar as por doenças cardiovasculares no Reino Unido, onde o álcool ganhou o respeitável título de pior droga entre todas conhecidas.

Se o álcool tivesse sido inventado hoje, não passaria pela aprovação de nenhum órgão fiscalizador

Nutt se pergunta por que o álcool, com currículo tão danoso, está tão disponível. Em parte, diz ele, autoridades e governos – que insistem em colocar o álcool como alimento/mercadoria e não droga – fingem não perceber o estrago para a saúde pública. Diz que se o álcool tivesse sido inventado hoje, não passaria pela aprovação de nenhum órgão fiscalizador – o álcool é convertido em uma substância extremamente tóxica (acetaldeído) para o fígado e outros órgãos.

Um dos argumentos comumente usados em defesa do álcool, escreve Nutt, é que a bebida, em pequenas doses e para segmentos da população, traz benefícios para a saúde. Nutt – cujo currículo e posições acadêmicas são invejáveis – diz que esse argumento é provavelmente falso.

No Brasil, vigora a apologia ao consumo – é também opinião desta coluna que a lei ‘se beber, não dirija’ já é letra morta. A população é bombardeada com propagandas de mau gosto das cervejarias (mulheres seminuas, gente bem-sucedida, alegre e ‘esperta’ etc.).

No Brasil, vigora a apologia ao consumo de álcool

E há vários paradoxos quanto à política governamental nessa área. Por exemplo, o Ministério da Saúde faz campanha pela prevenção, mas órgãos federais (universidades, entre elas) vendem álcool livremente. No mínimo, incoerente.

Para não ficar só no qualitativo duvidoso, cite-se, então, o quantitativo exato (dados publicados em 2004) relativo ao Brasil: cerveja, 54 litros per capita/ano; cachaça, 12 litros per capita/ano; vinho, 1,8 litro per capita/ano.

Para estimar o custo social de bilhões de litros de cerveja e cachaça produzidos anualmente aqui, basta olhar os hospitais públicos, institutos médico-legais e os boletins de ocorrências nas delegacias.

Quer dose maior de realidade? Dois artigos sobre a epidemiologia do álcool no Brasil: um publicado nos Arquivos Médicos do ABC e outro na Revista Brasileira de Psiquiatria.

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na seção Mundo de ciência da CH 278 (janeiro/fevereiro de 2011)

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