Hoje, nossa biodiversidade vive sob ameaça, principalmente por causa da ação humana. Mas situações de colapso não são exclusividade dos tempos atuais. Há 270 milhões de anos, quando ainda não havia separação entre os continentes, muito antes também da aparição e extinção dos dinossauros, as florestas que ocupavam o atual interior do estado de São Paulo já passavam por maus momentos. A conclusão é de um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que por meio de árvores fósseis investigou a vegetação desse período, o Permiano.

Para reconstituir o panorama vegetal e climático da época, os pesquisadores coletaram fósseis de troncos de árvores em pedreiras e pastos de fazendas de sete cidades paulistanas: Piracicaba, Saltinho, Rio Claro, Santa Rosa de Viterbo, Angatuba, Conchas e Laras. Esses fósseis nada mais são que troncos que ao longo do tempo passaram por um processo natural conhecido por permineralização, no qual as estruturas porosas são preenchidas por minerais, conservando sua forma original e conferindo uma aparência de rocha.

A escolha dos pontos de coleta se deu porque se sabe que nessa região há muitas camadas de rochas datadas do Permiano aflorando na superfície. “Em Piracicaba, principalmente, é muito comum que, ao arar a terra para plantar cana, os fazendeiros encontrem o que chamam de ‘pau-pedra’, que são os caules petrificados”, conta o biólogo e atualmente professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Rafael Faria, autor do estudo, que serviu como sua tese de doutorado na Unicamp. “Muitas vezes, os fazendeiros olham para essas peças como enfeites para a fazenda, mas, para nós, elas são vestígios importantes do passado.”

A presença de esporos nos troncos é um indicativo de que havia abundância de matéria morta

Ao analisar os troncos em laboratório, Faria concluiu que eram espécies antigas de coníferas muito semelhantes às atuais Araucaria e Pinus, encontradas na mata atlântica. Com a ajuda de um microscópio eletrônico de varredura, o pesquisador pôde ver detalhes da estrutura celular dos troncos e foi, durante essa tarefa, que ele encontrou um elemento raro e nunca antes visto em árvores do mesmo período: esporos de fungos.

Os fungos se alimentam de matéria orgânica em decomposição. Logo, a presença de esporos nos troncos é um indicativo de que havia abundância de matéria morta. “Essa situação mostra que a biodiversidade da época vivia uma situação de colapso”, diz Faria. “Devia ser um momento bem difícil para essas árvores.”

O pesquisador lembra que a presença de fungos é característica marcante do final do Permiano, há 250 milhões de anos, quando se acredita que houve a maior perda de biodiversidade da Terra, com a extinção de 90% das espécies, provavelmente em decorrência de gases tóxicos liberados por vulcões da Sibéria. “Os fósseis que encontramos são bem mais antigos, mas retratam um colapso semelhante, só que de menor proporção”, comenta Faria, que aposta na seca como causa para o problema.

Anéis do tempo

O biólogo também se deteve para analisar os anéis de crescimento dos troncos, estruturas concêntricas que revelam a idade e a história de vida de uma árvore. Conforme a árvore cresce, novas camadas de tronco se formam de dentro para fora. O acúmulo dessas camadas forma os anéis de crescimento, que podem ser vistos quando o tronco é cortado transversalmente. Cada anel corresponde a aproximadamente um ano da árvore.

Além da idade, os anéis deixam transparecer as estações do ano que a planta viveu. Nas árvores de regiões onde as estações são bem definidas, os anéis são compostos basicamente de duas faixas, uma estreita e mais escura e outra mais grossa e mais clara. As partes mais estreitas representam o outono, já as mais largas mostram a primavera e o verão. Juntas, essas duas faixas de tonalidades diferentes fazem com que os anéis fiquem bem marcados e visíveis.

Tronco fossilizado
Os anéis de crescimento, que podem ser vistos quando o tronco é cortado transversalmente, mostram a idade e as condições de vida de uma árvore e deixam transparecer as estações do ano que a planta viveu. (imagem: Rafael Faria)

O pesquisador explica que essa diferença se dá devido às modificações que as células da planta sofrem em cada estação. “Na primavera-verão, a árvore cresce mais, seu metabolismo está acelerado e as células ficam com o interior mais amplo para transportar muita água e fazer fotossíntese”, diz. “No inverno, a planta não cresce e, no outono, a célula passa a ter a parede mais grossa e o interior (lúmen) menor, pois nesse período a árvore não precisa de tanta água, perde as folhas e tem o metabolismo mais lento.”

Alguns dos troncos observados por Faria mostravam uma distinção clara entre as partes mais largas dos anéis, formadas por células de interior cheio de água, e as mais estreitas, de células mais vazias. Mas não todos. Segundo ele, isso indica que existiam tanto árvores que perdiam as folhas no outono (decíduas), quanto árvores que nunca desfolhavam (permanentes). Esse padrão fornece ainda pistas sobre o clima da época. “Muito provavelmente não tínhamos um clima temperado, no qual as estações são bem definidas”, diz o pesquisador. “Havia uma mistura de elementos, algumas árvores perdiam as folhas e outras as conservavam o ano todo.”

Faria ressalta que seus resultados podem ajudar a compreender melhor o cenário ambiental do Permiano e até embasar estudos atuais. “Hoje o que nos resta de coníferas nativas no Brasil são basicamente as araucárias, que já estão em extinção”, pontua. “Compreender a história evolutiva dos representantes extintos dessas árvores nos traz mais informações para lidar com as espécies atuais. Ao olhar para os vestígios do passado, temos a capacidade de entender o presente e mudar o futuro.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 309 (novembro de 2013).

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