A diversidade ecológica de Mato Grosso do Sul é amplamente reconhecida. Em seu território, com cerca de 357 mil km2, se entrelaçam três biomas: o Pantanal, o cerrado e ocorrências de bolsões de mata atlântica. Essa multiplicidade de ambientes resulta em imensa variedade biológica. Tais atributos contribuíram para a formação de assentamentos humanos naquela região, em um passado distante, estudado hoje pela arqueologia. Essa outra face desse estado pantaneiro é ainda bem desconhecida da população brasileira.
O Centro-oeste do país passou a ser habitado por grupos de caçadores e coletores entre 12 mil e 10 mil anos atrás. Naquele tempo, o clima da região era um pouco diferente do atual. Após a última glaciação, com temperaturas mais baixas, teve início o Holoceno, período marcado pela estabilização climática.
No Holoceno, ainda perambulavam pelo Brasil central animais de grande porte, que os cientistas chamam de megafauna. Em Mato Grosso do Sul se encontram vestígios desses animais, como ossadas de preguiças-gigantes preservadas nas cavernas da região da serra da Bodoquena. Nesse estado, entretanto, a paleontologia – estudo dos animais pré-históricos – é um mundo inteiro por investigar.
Os primeiros grupos humanos chegaram às terras onde hoje está Mato Grosso do Sul ainda no final do Pleistoceno, o que significa que esses grupos compartilharam espaços com espécies da megafauna. Seriam esses animais de grande porte a caça dos primeiros humanos? Ainda não há resposta definitiva para essa pergunta.
Entre 8 mil e 6 mil anos atrás começa um período de estabilização climática, até chegar às características de clima atuais. Foi a partir desse período, denominado ‘ótimo climático’, que se intensificou a ocupação humana.
A arqueologia classifica as diferentes etapas de ocupação dentro das chamadas ‘tradições’ arqueológicas – nesse modelo teórico, os grupos são ordenados de acordo com padrões tecnológicos e áreas geográficas de ocupação. Termos como Tradição Itaparica ou Tradição Serranópolis são utilizados, em artigos científicos, para se referir a esses primeiros habitantes. O conceito de tradição vem passando por uma revisão, mas não é o objetivo desse artigo debater essa questão, e por isso será usada aqui apenas uma descrição geral dos povos que habitavam Mato Grosso do Sul na pré-história.
Expressão simbólica
Os grupos humanos de caçadores e coletores que transitavam pelos espaços de transição entre as serras e a planície pantaneira encontravam por ali variadas opções de alimentação. Rios piscosos eram explorados em paralelo com a farta caça e a coleta dos muitos frutos existentes na área. Essa abundância alimentar possibilitava uma ocupação territorial por longos períodos de tempo.
A paisagem regional é formada por áreas elevadas e planas (mesetas) e serras em torno da planície alagável do Pantanal. Os muitos córregos, riachos e nascentes que brotam e correm entre os maciços rochosos supriam as necessidades de água potável dos primeiros habitantes humanos. As migrações entre montes e platôs, na exploração e ocupação do espaço, eram registradas em diferentes locais por meio de pinturas e gravuras nas rochas. Os diferentes grupos humanos que habitaram essas terras deixaram suas ideias, em forma de arte, nas paredes dos abrigos e cavernas, em uma grande profusão de técnicas e estilos.
Os grafismos pintados e gravados sobre superfícies rochosas, que a arqueologia chama genericamente de ‘arte rupestre’, resultam da expressão simbólica do homem pré-histórico. A necessidade de materializar e dar feição ao abstrato, representando tudo o que se move no campo das ideias, é inerente ao ser humano. Em suma, a arte rupestre pode ser entendida como uma expressão cosmológica – uma visão de mundo – por meio da iconografia. No entanto, o desconhecimento dos códigos utilizados pelos ‘artistas’ nos impede de traçar uma interpretação precisa.
O primeiro passo no estudo da arte rupestre é o registro sistemático dos sítios arqueológicos dessa natureza, estabelecendo a análise e ordenamento dos elementos representados por categorias. Esse ordenamento leva em consideração variáveis como estilo, técnica de elaboração e de representação. Por fim, os elementos identificados são dispostos em tabelas de tipos com base na similaridade dos motivos. A repetição ordenada de motivos dá ao pesquisador pistas para identificar as regras que compunham os códigos usados pelos autores.
A arte rupestre do Mato Grosso do Sul ainda necessita ser inventariada. Os estudos até agora desenvolvidos são pontuais e fragmentários, em geral realizados para complementar outros estudos, cujo foco não era a arte rupestre. Para modificar esse quadro e ampliar o conhecimento a respeito da arte rupestre do estado, uma pesquisa vem sendo desenvolvida há mais de um ano pela Universidade Federal da Grande Dourados. Uma equipe de pesquisadores está levantando os sítios de arte rupestre que ocorrem nas áreas de transição entre as terras altas das serras e a planície pantaneira.
Rodrigo Luiz Simas de Aguiar
Programa de Pós-graduação em Antropologia
Universidade Federal da Grande Dourados, MS