“Pare de gastar seu dinheiro com vitaminas e suplementos minerais”. Esse é o título do editorial da Annals of Internal Medicine de 17 de dezembro último. A frase acima vem precedida de um incisivo “Agora, basta”.

A razão da ênfase são resultados de três artigos daquela edição, mostrando que polivitamínicos e suplementos minerais não previnem a ocorrência ou progressão de doenças crônicas. Sequer diminuem o risco de morte.

Um dos estudos, com base na análise de cerca de 400 mil pessoas que tomaram uma vitamina ou várias delas, mostrou que não há evidência de que essa estratégia tenha efeito benéfico para combater ou prevenir o câncer, as doenças cardiovasculares e outras causas de morte. Se houver, diz o editorial, ele é tão pequeno que não justificaria a suplementação.

Outro estudo seguiu, por 12 anos, cerca de 6 mil pessoas com mais de 65 anos de idade. Em relação à memória verbal e à prevenção do declínio cognitivo, não foram observadas diferenças significativas entre os que tomavam multivitamínicos e aqueles que ingeriram uma substância inócua (placebo).

Os autores do terceiro artigo acompanharam por quase cinco anos cerca de 1,7 mil adultos que haviam sofrido infarto. Mais uma vez, não se notou diferença na prevenção de um novo ataque cardíaco entre os que tomaram multivitamínicos (no caso, altas doses de suplemento com 28 vitaminas) e placebo.

Não só ruim para o bolso

Outros trabalhos semelhantes já haviam mostrado que os efeitos de polivitamínicos e suplementos minerais são nulos. E também que tomar vitaminas A, B e E, bem como betacaroteno e ácido fólico, não traz benefícios na prevenção de doenças crônicas. [Em tempo: ácido fólico é importantíssimo nos primeiros meses de gestação, para evitar malformação do feto.] Na verdade, resultados já haviam mostrado que a suplementação de certos compostos (como betacaroteno, vitamina E e possivelmente vitamina A em altas doses) causa malefícios para a saúde.

Nas últimas décadas, o uso desses suplementos no mundo tem aumentado a largas cifras percentuais. O editorial diz que as vendas, apesar das evidências experimentais, não foram afetadas nos últimos anos.

O consumo de vitaminas é bom para a indústria farmacêutica, cujas vendas nesse filão foram de incríveis US$ 28 bilhões em 2010 nos Estados Unidos. Ruim para o bolso – e, por vezes, para o organismo

“Não obstante, o consumo de vitaminas vem crescendo em todo o mundo. Na verdade, esse se tornou um filão especialmente atrativo para laboratórios e para algumas pseudoespecialidades, como a medicina ortomolecular e a antienvelhecimento”, escreveu o colunista Hélio Schwartsman, da Folha de S. Paulo (04/01/14, p. 2), em texto que pautou esta seção, que fica, portanto, em débito com o jornalista – Schwartsman trabalhou, por anos, no finado (e saudoso) caderno ‘Ciência’ da Folha, marco no jornalismo científico deste país.

Então, bom para a indústria farmacêutica, cujas vendas nesse filão foram de incríveis US$ 28 bilhões (cerca de R$ 70 bilhões) em 2010, nos Estados Unidos. Ruim para o bolso – e, por vezes, para o organismo.

O editorial enfatiza que esses resultados também afetam a pesquisa médica. Diz que não são mais justificáveis experimentos sobre a prevenção de doenças provocada pela ingestão de antioxidantes, ácido fólico e vitaminas do complexo B. Em aberto, no entanto, permanece apenas o papel da vitamina D. Ela é hoje receitada para pessoas com deficiência desse micronutriente e para evitar quedas em idosos. Mas isso, diz o editorial, é feito sem evidências científicas sólidas.

Como uma fênix… 

Apenas pessoas com clara deficiência devem tomar o micronutriente específico, segundo aconselhamento médico. Nas palavras do editorial, a mensagem dos três artigos é simples: a maioria dos suplementos não previne doenças ou a morte, seu uso não é justificado, e, portanto, eles devem ser evitados.

pílulas
O papel da vitamina D permanece em aberto, segundo a revista ‘Annals of Internal Medicine’. Ela é hoje receitada para pessoas com deficiência desse micronutriente e para evitar quedas em idosos. (foto: Irina Naumets/ Sxc. hu)

Porém… Assim como a homeopatia, que recebeu editorial semelhante (talvez, até mais duro) da prestigiosa The Lancet (27/08/05), os polivitamínicos e suplementos – caso sofram algum baque com esses resultados – terão a capacidade de, como a mitológica ave fênix, renascer das cinzas.

Nos últimos oito anos, a homeopatia continua firme e forte, apesar de, neste ínterim, ter recebido outras tantas evidências desfavoráveis à sua eficácia. Na opinião de um renomado pesquisador brasileiro, para acreditar na homeopatia é preciso não acreditar em certas constantes da física e da química – em especial, a constante de Avogadro, homenagem ao italiano Amedeo Avogadro (1776-1856).

É (muito) provável que polivitamínicos e complementos minerais continuem a ser tomados por conta própria (automedicação). E, pior, a ser receitados por médicos, cuja esmagadora maioria – e isso precisa ser enfatizado – pouco ou nada se atualiza com a literatura médica (séria).

The Lancet, New England Journal of Medicine, Journal of the American Medical Association, Science, Nature, Cell, entre outros periódicos de prestígio, são itens raros na lista de leitura de profissionais da saúde. Mas deveriam ser obrigatórios, visando, em benefício do paciente, a uma medicina baseada em evidências científicas.

Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ

Texto originalmente publicado na CH 311 (janeiro-fevereiro de 2014).

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