Reunidos neste artigo, os resultados de pesquisas sobre o funcionamento do coração podem ser úteis no treinamento de atletas de diferentes esportes, bem como no desenvolvimento de novas formas de diagnóstico e de tratamento para disfunções e doenças desse órgão.
O coração humano é um órgão complexo, com duas bombas que funcionam no mesmo ritmo. Seu lado direito bombeia sangue venoso para os pulmões, onde ocorre a eliminação do gás carbônico e a absorção do oxigênio pelos glóbulos vermelhos. Seu lado esquerdo bombeia o sangue renovado para o restante do corpo, fornecendo oxigênio e outros nutrientes vitais para tecidos e órgãos.
O coração é uma bomba de fluxo intermitente, diferentemente das bombas usadas para retirar água de um poço ou encher a caixa d’água no alto de um edifício, que apresentam fluxo contínuo.
Um ciclo cardíaco (um ‘batimento’) tem dois períodos distintos: um de enchimento, denominado diástole, e outro de esvaziamento ou de bombeamento propriamente dito, chamado de sístole.
A vazão cardíaca, tecnicamente conhecida como ‘débito cardíaco’, é, portanto, o produto de duas variáveis: o número de vezes em que o coração se contrai, ou bate (frequência cardíaca), e o volume de sangue ejetado pelo órgão em cada sístole (volume sistólico). O cálculo do débito cardíaco é baseado no volume bombeado por um dos lados do coração.
Um fato importante é que o coração funciona como uma bomba inteligente, ou seja, sua vazão (normalmente medida em litros de sangue ejetados por minuto) é ajustável, dentro de certos limites, às necessidades do organismo. Esse ajuste ocorre por meio de variações do volume sistólico e principalmente da frequência cardíaca.
Esta é controlada primariamente – e de modo involuntário – pelos dois ramos do nosso sistema nervoso autônomo, com o ramo simpático acelerando os batimentos e o parassimpático (ou vago) freando. Em geral, esses dois componentes atuam ao mesmo tempo, quase sempre com algum grau de intensidade e de modo antagônico. Uma simples medida da frequência cardíaca nos informa bastante sobre o funcionamento do coração.
Atletas e sedentários
Atletas de modalidades esportivas aeróbicas, como nadadores, corredores de longa distância, ciclistas, remadores e praticantes de triatlo, tendem a apresentar frequência cardíaca de repouso mais baixa que a de indivíduos sedentários.
Exercício aeróbico é aquele em que as exigências de energia dos músculos são supridas predominantemente por processos metabólicos que usam o oxigênio obtido por meio da respiração. Normalmente, esse tipo de exercício dura vários minutos, e pode chegar a horas.
Em nossa experiência, já encontramos um maratonista de elite com frequência cardíaca de apenas 27 batimentos por minuto em repouso (bpm), enquanto em adultos saudáveis e não atletas costuma ficar entre 60 e 80 bpm.
A bradicardia (frequência mais baixa) de repouso pode ser identificada após alguns meses de treinamento aeróbico em indivíduos previamente sedentários. Além disso, indivíduos fisicamente treinados e saudáveis, assim como os jovens, tendem a apresentar maior variação da frequência cardíaca em repouso, em especial ao respirar de forma lenta e profunda.
Ao menos em parte, essas adaptações ao treinamento devem-se a modificações do controle que o sistema nervoso autônomo exerce sobre o coração. Ao contrário do que muitos leigos pensam, uma frequência cardíaca em repouso muito constante e que não varia com a respiração não é saudável e pode indicar disfunção do sistema autônomo, mais frequentemente associada ao diabetes melito e a doenças das artérias coronárias.
No imaginário popular, o coração destaca-se entre os órgãos do corpo, sendo muitas vezes considerado o centro das emoções. Essa ideia equivocada se explica, ao menos em parte, pelo fato de que, quando nos sentimos alguma emoção mais intensa, é no coração e não no cérebro que percebemos os efeitos: os batimentos mais fortes e mais rápidos.
Neste artigo, exploraremos conceitos e mitos sobre o comportamento da frequência cardíaca no exercício físico, adicionando, aqui e ali, resultados das nossas pesquisas nos últimos 35 anos sobre esse tema.
Claudio Gil S. Araújo
Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Gama Filho, e Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex)