O termo ‘distanásia’, mais utilizado na área da saúde, é ainda pouco conhecido pelo público em geral, ao contrário de seu antônimo, ‘eutanásia’, que a todo momento ganha manchetes e causa debates. Sem dúvida, a eutanásia é muito menos praticada do que a distanásia em nossas instituições de saúde, notadamente nas unidades de terapia intensiva, que podem ser chamadas de catedrais contemporâneas do sofrimento humano.
Afinal, o que é distanásia? Essa palavra, ainda estranha até para grande parte dos profissionais da saúde, é conceituada pelo Dicionário Aurélio como “morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento”. Trata-se de um neologismo, de origem grega: o prefixo dys significa ‘ato defeituoso’ ou ‘errado’ e a palavra thánatos significa morte. A distanásia, portanto, é o prolongamento exagerado da agonia, sofrimento e morte de um paciente.
O termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento fútil e inútil, ou seja, uma atitude médica que, na intenção de estender a vida do paciente terminal, submete este a grande sofrimento. Essa conduta não prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer. Ela é chamada, na Europa, de ‘obstinação terapêutica’. Nos Estados Unidos, a expressão usada é ‘futilidades médicas’. Cabe, então, perguntar: até que ponto se deve prolongar o processo do morrer se não existe mais esperança de cura? Manter a pessoa ‘morta-viva’ artificialmente interessa a quem?
Morte com dignidade
Partindo da perspectiva filosófica de que a morte é uma dimensão da existência humana, já que somos finitos e mortais, temos o direito não apenas de viver de modo digno, mas também o direito de morrer com dignidade, sem sofrimento ou sem um prolongamento artificial do processo do morrer (distanásia). Isso, porém, não nos dá o direito de abreviar a vida (eutanásia).
O novo Código de Ética Médica brasileiro, em vigor desde abril de 2010, introduziu uma grande novidade nos cuidados de final de vida, ao se posicionar, no trecho que aponta os princípios fundamentais da atividade médica, contra a prática da distanásia: “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”. Essa conduta recebeu o nome de ‘ortotanásia’.
Na literatura jurídica brasileira, porém, é comum advogados e juízes ainda sem cultura ética e bioética confundirem os conceitos de eutanásia e de ortotanásia. A última deve ser entendida como a decisão de, diante da morte iminente e inevitável de um paciente, não abreviar sua vida (praticando a eutanásia) e muito menos prolongar inutilmente sua agonia (praticando a distanásia).
A tecnologia de sustentação artificial de vida precisa ser usada com sabedoria. Precisamos dizer um grande não à ‘tecnolatria’ e reconhecer que toda vida humana chega a um término, e que esse final deve ser marcado pelo respeito e pela dignidade.
A prática da distanásia continua forte e provavelmente aumentará mais no futuro, à medida que mais tecnologia for introduzida no cuidado de pessoas no final de suas vidas. Aqui é preciso sabedoria ética para perceber que, em determinadas situações, a vida de um ser humano está chegando a seu final e desconsiderar essa realidade é simplesmente um desastre. Por mais que a tecnologia progrida, e esperamos que continue a avançar, não nos dará o dom da imortalidade biológica.
Dados do Conselho Federal de Medicina revelam que atualmente, no Brasil, 30% dos internados em unidades de tratamento intensivo (UTIs) são pacientes em estado terminal, que não deveriam permanecer nessas unidades. Eles deveriam estar recebendo cuidados paliativos, ou seja, não sendo mais possível a cura, deveria ser dado a esses pacientes conforto e atenção a suas necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais.
No caso dos pacientes sem esperança de recuperação, o uso de recursos tecnológicos caríssimos para prolongar a vida, além de representar um gasto desnecessário, impõe mais sofrimento tanto aos doentes quanto aos familiares. É preciso ter a coragem de reconhecer que, em determinadas situações, chegamos a um limite. Devemos então proporcionar mais conforto e evitar a dor e o sofrimento desnecessários.
O desafio de cuidar
Cultivar a sabedoria de integrar a morte na vida, como algo natural e inerente à própria vida, é indispensável. A morte não é uma doença e não deve ser tratada como tal. Podemos ser curados de uma doença classificada como mortal, mas não de nossa mortalidade e finitude humanas. A condição de existir não é uma patologia! Quando isso é esquecido, cai-se na tecnolatria e na absolutização pura e simples da vida biológica. Nesse contexto, instrumentos de cura e cuidado se transformam em ferramentas de tortura.
Exemplo nesse sentido foi dado pelo papa João Paulo II. Quando foi proposto a ele que voltasse para a UTI do hospital (Clínica Gemelli), o pontífice, percebendo que sua vida chegava ao momento final, recusou e simplesmente pediu: “Deixem-me partir, para o Senhor”. Se o papa voltasse ao hospital e ficasse em uma UTI, sua vida certamente poderia ser prolongada por vários dias, mas em que isso o beneficiaria? O que se evitou aqui foi a distanásia.
Permanece como um grande desafio o cultivo da sabedoria de abraçar e integrar a dimensão da finitude e da mortalidade na vida, bem como oferecer cuidados holísticos (físico, social, psíquico e espiritual) no adeus final. É necessário exercitar profunda indignação ética em relação a tudo o que diminui a vida em um contexto social excludente (mistanásia) e se comprometer com a solidariedade. Ter convicções ligadas a limites opostos: de um lado, a não abreviar intencionalmente a vida (eutanásia), de outro, não realizar um tratamento fútil e inútil (distanásia), prolongando o sofrimento e adiando a morte inevitável.
Entre o não abreviar e o não prolongar está o cuidar com arte e humanidade, ou seja, garantir a morte em paz e sem sofrimento (ortotanásia), proporcionada pela prática dos cuidados paliativos. É um desafio grande aprender a cuidar do paciente fora das possibilidades terapêuticas, terminal, sem exigir retorno, com a gratuidade com que se cuida de um bebê, em um contexto social no qual tudo é medido pelo mérito! Assim como os humanos são cuidados ao nascer, devem também ser cuidados no final da vida. Cuidar é um desafio que une competência técnico-científica e ternura humana, sem esquecer que “a chave para se morrer bem está no bem viver!”
Léo Pessini
Programa de Pós-graduação/ Doutorado em Bioética
Centro Universitário São Camilo (São Paulo)