Exatos 60 anos depois da descoberta de sua estrutura, a molécula de DNA talvez tenha que passar por uma remodelagem. E essa nova forma do material genético poderá ajudar a entender mistérios sobre o câncer.
A imagem da estrutura do DNA foi descoberta em 1953. Ela lembra uma escada retorcida e, por isso, é denominada dupla hélice. E, se retorcemos mais ainda a escada já retorcida, chegaremos a um ‘novelinho’ de DNA: o cromossomo.
Nas últimas décadas, a imagem da escada retorcida (ou dupla hélice) tem sido aquela estampada nos livros. Mas já se desconfiava que pudesse haver um tipo ‘anômalo’ de DNA, formado, digamos, por uma escada com quatro ‘braços’ em vez dos dois tradicionais.
Evidências para isso vinham do fato de se conhecer esse tipo de DNA em ciliados (micro-organismos que usam ‘cílios’ para se locomoverem). E também de algo que se pode obter em laboratório: um DNA com excesso de guanina que se retorce e assume a forma de uma hélice quádrupla.
Explicando: a guanina (G), juntamente com a citosina (C), adenina (A) e timina (T), são os ‘bloquinhos’ que, ao se juntarem, dois a dois, formam os degraus da escala, na imagem tradicional do DNA. São conhecidos formalmente como nucleotídeos ou, no popular, como as ‘letrinhas’ do DNA. Nos degraus, estão sempre aos pares: A com T e C com G.
Por esse excesso de guanina, o DNA de hélice quádrupla é tecnicamente chamado G-quadruplex.
Em humanos?
Mas restava a dúvida: haveria G-quadruplex nas células humanas? A resposta é um sim – porém, não muito enfático, como veremos a seguir.
A equipe de Shankar Balasubramanian, da Universidade de Cambridge (Reino Unido) – por sinal, a mesma onde a estrutura do DNA foi descoberta em 1953 –, escreve na introdução de artigo recém-publicado que os resultados obtidos por eles “fornecem evidências substantivas para a formação do G-quadruplex no genoma de células de mamíferos”.
Porém, um dos comentários publicados na página da Nature News diz que os resultados apresentados não revelam a existência do G-quadruplex nas células humanas, mas evidências da reação do anticorpo. Balasubramanian parece concordar com a crítica: “Está correto que a visualização foi mediada por um anticorpo altamente específico para o G-quadruplex”, disse à CH. Mas, no artigo, os autores deixam claro que não há dúvidas sobre a presença de tal DNA nas células estudadas.
Explicando o que foi dito acima. A equipe de Balasubramanian desenvolveu em laboratório um anticorpo que, segundo os autores, é especializado em grudar apenas nos G-quadruplex e pode ser localizado por meio do brilho (luz) que emite.
Já se desconfiava que as pontinhas dos cromossomos, os chamados telômeros, seriam um local ideal para tentar localizar os G-quadruplex, pois ali, naquelas estruturas – que podem ser comparadas àquele plástico que protege a ponta dos cadarços para que eles não desfiem –, existe excesso de guanina.
Porém, a equipe de Cambridge foi adiante: mostrou que o G-quadruplex também parece estar presente em outras regiões do cromossomo. Por meio da luminosidade do anticorpo, os pesquisadores afirmam ter identificado um quarto dos G-quadruplex nos telômeros, e o restante em outras partes do cromossomo.
Como câncer?
Há um segundo desdobramento interessante nos resultados. Os pesquisadores observaram que o G-quadruplex se forma durante a fase de replicação do DNA e que aumenta em quantidade com o número de replicações. E isso tem a ver com o câncer, que é capaz de modificar a maquinaria genética da célula para aumentar também o número de replicações – o crescimento do tecido tumoral está baseado nesse tipo de estratégia.
Portanto, desconfia-se que ao se entender o mecanismo de replicação do G-quadruplex também se estariam entendendo mistérios da formação do câncer. Se essa associação se mostrar correta, então, no futuro, pode-se pensar no desenvolvimento de anticorpos específicos que bloqueariam a replicação das células cancerosas.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 301 (março de 2013).