Era para ser um dia normal na vida de Leonard Mlodinow. Ele levava seu filho para a escola (jardim da infância) do outro lado da rua. Ao olhar para o céu de Nova Iorque, viu um avião de passageiros de grande porte voando (muito) baixo. Estranhou.
Segundos depois, a um quarteirão dali, a aeronave perfura uma das torres do World Trade Center, e o edifício passa a cuspir fogo. Pessoas pulam do topo do prédio. Mlodinow ajuda uma mãe desesperada com um bebê. Sua mente procura uma razão para tudo aquilo, enquanto corre com seu filho, para fugir da fumaça e da chuva de pedras e estilhaços…
Este é um detalhe (desagradável) na biografia de Mlodinow. Uma das partes boas de seu currículo: autor de renome mundial de livros de divulgação científica. O mais recente é O andar do bêbado (Zahar, 2009) sobre fenômenos aleatórios.
Como físico teórico, conviveu com um luminar da área, o norte-americano Richard Feynman (1918-1988) – conta isso em O arco-íris de Feynman (Sextante, 2005). Como escritor, colaborou com Stephen Hawking em Uma nova história do tempo (Ediouro, 2005) e The grand design (O grande desenho, sem tradução). O tema de seu próximo livro será o inconsciente.
Em visita ao Brasil, no fim do ano passado, Mlodinow – que diz sentir falta dos cálculos e da abstração da física teórica – conversou com a CH. A seguir, os melhores momentos da entrevista.
O que veio à mente do senhor poucos segundos depois do início do atentado?
Você não entende o real significado das coisas que estão ocorrendo à sua volta. Qualquer um que estivesse assistindo àquilo pela TV saberia bem mais do que as pessoas que estavam naquele momento na rua. A primeira coisa que vi foi o avião e pensei: “Há algo de errado, porque eles não voam tão baixo assim”. Achei que havia algo errado com o sistema de navegação ou com o piloto.
Em minha memória, está o avião desaparecendo dentro [de uma das torres], mas a cauda ainda está intacta. E, então, o fogo irrompeu, e, pouco depois, chega o som… meio segundo.
Eu sabia o que estava acontecendo, porque vi o impacto do avião… Mas, no momento, eu estava buscando uma razão. Pessoas gritavam e corriam. Uma senhora agarrou o filho dela, gritando e chacoalhando o bebê… [ele faz o gesto com as mãos e os braços]. Então, peguei o bebê e o coloquei no carrinho. Tivemos que correr também, para nos proteger dos tijolos caindo.
Estou lendo um livro sobre o inconsciente e o quanto isso afeta o comportamento de uma pessoa. Tudo isso que acabo de contar pode ter sido criado em minha mente…
Vamos mudar de assunto. Em 1985, o senhor decidiu se mudar para Los Angeles com 6 mil dólares no bolso. O senhor era um físico com pós-doutorado e havia trabalhado com cientistas famosos. Por que decidiu mudar de lado, da física para a literatura?
Sempre gostei de escrever e achei que queria fazer isso. Mas não acho que essa mudança tenha explicação lógica… Comecei a escrever no 3° ano [do ensino médio], histórias curtas. Na universidade [Brandeis, em Boston], não escrevia muito. Cursei mais disciplinas científicas. Mais tarde, voltei com as histórias curtas e pensei em um dia escrever um romance ou algo assim. Lembro-me de que um amigo meu me disse que não pensasse que seria fácil escrever.
Escrever é difícil?
Sim [risos]. Bom, conto isso em O arco-íris de Feynman. Pensei que, como estava em Los Angeles e sempre havia gostado muito de filmes, que deveria escrever roteiros. Fiz isso, e eles compraram meus roteiros. Mas nunca achei que pararia com a física. Achava que seria possível escrever como uma atividade à parte.
Ao se ler O arco-íris de Feynman, fica a impressão de que, no Caltech [Instituto de Tecnologia da Califórnia], havia muita pressão para publicar, não?
Sim, foi um período árduo. Mas, na época, eu havia conseguido uma proposta de posto permanente de professor titular em Munique [Alemanha]. Visto de hoje, é possível pensar nas várias coisas que eu poderia ter feito. Mas é muito difícil saber se eu teria sido mais feliz.
Sinto falta da física, de fazer cálculos. O último artigo que publiquei foi em 2005, e publicar tem se tornado mais e mais difícil neste momento. E essa falta tem ficado maior nos últimos anos. Uma das minhas metas é voltar à física e fazer algo interessante.
Como era Feynman? As pessoas gostavam dele ou ele era também criticado?
Nunca conheci alguém que não gostasse dele. Bem, Murray [Gell-Mann] dizia coisas [sobre ele], algumas negativas, por vezes – lembro-me, em especial, do obituário na revista Physics Today. Acho que menciono isso em O arco-íris de Feynman. Nunca falei com Murray sobre Feynman, e ele nunca disse nada ruim sobre ele para mim.
Por vezes, as pessoas diziam, meio livremente, coisas como “Feynman gosta dos holofotes”, “Feynman não gosta de publicidade”, por acharem que ele era assim. Mas Feynman alimentava histórias sobre ele mesmo. Então, talvez, fosse um pouco ambíguo sobre essas coisas, porque ele realmente não parecia gostar da tensão [que essas citações criavam], mas acho que ele gostava de ser estimado e da reputação que tinha.
Marco Moriconi
Instituto de Física, Universidade Federal Fluminense
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ*
* Colaboraram Sofia Moutinho e Carolina Drago