Efeitos da luz nos ritmos humanos

O termo ‘tempo’ pode ter vários significados, dependendo do contexto em que aparece. Gramáticos, meteorologistas, músicos ou físicos, por exemplo, usam diferentes conceitos de tempo. Para o senso comum, no entanto, tempo é apenas a contínua sucessão dos momentos, dos dias, dos anos de vida. Nos organismos vivos, em especial nos seres humanos, a noção de tempo decorre da percepção de certos padrões repetitivos naturais, como alternância de períodos claros (os dias) e escuros (as noites), variações de temperatura e luminosidade (ao longo do dia ou do ano) e outros. Ao longo da evolução, surgiram organismos que tinham ritmos internos, o que os tornou mais adaptados a esse ambiente variável e fez com que fossem selecionados.

Muito antes do surgimento da vida na Terra, que ocorreu há cerca de 3 bilhões de anos, já existia o ciclo de claro e escuro – o dia e a noite. Esse ciclo existe porque nosso planeta gira em torno de seu eixo, e com isso sua superfície fica exposta à luz do Sol por certo período e, em seguida, passa por um período de escuridão. Por causa da inclinação do eixo da Terra, nos polos, cada período pode durar metade do ano. Quando se convencionaram formas de medir o tempo, ficou definido que o ciclo composto por um dia e uma noite tem uma duração de 24 horas – tempo que o planeta leva para girar sobre si mesmo.

A presença ou a ausência de luz solar, como seria de se esperar, afeta os seres vivos de muitas formas

O fator determinante desse ciclo é a luz, ou seja, a presença ou a ausência de luz solar, e essa diferença, como seria de se esperar, afeta os seres vivos de muitas formas. A luz é um ‘tipo’ de radiação eletromagnética, e estudos sobre sua propagação revelaram que cada cor presente na luz visível – do violeta ao vermelho – pode ser associada a um comprimento de onda específico. Existem radiações fora da faixa visível, com outros comprimentos de onda e invisíveis para nós, como ultravioleta, raios X, infravermelho, micro-ondas e outras.

O dia, marcado por alta incidência de radiação luminosa e temperaturas mais elevadas, é seguido pela fase de pouca ou nenhuma luz, a noite, que em geral apresenta temperaturas mais brandas. Ao longo da evolução, as condições de temperatura e luminosidade exerceram pressões seletivas sobre os organismos (já que altas temperaturas são prejudiciais para muitos processos metabólicos), o que originou teorias como a da ‘fuga da luz’. Segundo essa teoria, a coincidência das maiores temperaturas com as fases mais claras do dia teria levado organismos que percebiam luz a ‘fugir’ desta, para evitar prejuízos ao equilíbrio orgânico, resultando em preferência pela vida noturna.

 

A percepção da luz

A luz é percebida pelos diferentes organismos por processos variados. Nos humanos, a luz do ambiente atinge células especiais existentes nos olhos e estas, sensíveis a diferentes comprimentos de onda, reagem enviando ao cérebro sinais também variados, que ganharam o nome de ‘cores’.

Ao longo da evolução, surgiram proteínas – chamadas fotopigmentos – capazes de se ligar a compostos derivados da vitamina A e responsáveis pela absorção de luz, os cromóforos. Nos animais, a mais importante família de fotopigmentos é a das opsinas. Os cromóforos ligados a estas, ao serem atingidos pela luz, sofrem mudanças de conformação e, com isso, acionam uma cadeia de eventos que traduz a informação luminosa em sinais neurais. Nos animais com olhos e cérebros, a interpretação desses sinais leva à formação de imagens.

Anatomia do olho humano.
Anatomia do olho humano. A luz atravessa a córnea, o humor aquoso, o cristalino e o humor vítreo antes de atingir a retina, onde se localizam as células fotorreceptoras. (gráfico: Luiz Baltar)

Nos mamíferos, inclusive em humanos, as opsinas são encontradas nas membranas dos fotorreceptores, células presentes na retina. O globo ocular, semelhante a uma câmera fotográfica, é separado do meio externo pela esclera (uma membrana branca) e pela córnea (estrutura transparente que permite a entrada da luz). Atrás da córnea estão situadas uma câmara estreita (preenchida pelo humor aquoso) e a íris (membrana que dá cor ao olho e que abre ou fecha em reação à intensidade da luz), seguidas pelo cristalino (uma lente que focaliza a luz na retina) e por uma câmara de refração da luz (preenchida pelo humor vítreo).

No fundo do olho, fica a retina. Esta tem várias camadas: fotorreceptores (cones e bastonetes), células bipolares, células horizontais, células amácrinas e células ganglionares. As opsinas, cada uma sensível a determinado comprimento de onda da luz, ficam nos cones e bastonetes, mas recentemente descobriu-se que 2% a 3% das células ganglionares também contêm uma opsina – a melanopsina – diferente das demais e mais sensível à luz azul do que à branca. Portanto, essas células são o terceiro tipo de célula fotorreceptora da retina de mamíferos.

 

A rota da informação

A luz entra pela córnea e atravessa o olho até chegar à retina, onde é iniciado o processo de transformação da informação luminosa em sinal neural. Cada tipo de receptor responde a uma característica da luz. Os bastonetes são ativados principalmente se a iluminação está reduzida (como acontece à noite) e os cones são mais adequados para altas intensidades luminosas (durante o dia) e para as cores e os detalhes das imagens.

Retina humana
Imagem de retina humana mostrando célula ganglionar sensível à luz, graças à presença da melanopsina – a utilização de um anticorpo específico para esse fotopigmento permitiu destacar esse tipo celular, com suas ramificações. A sensibilidade da melanopsina à luz azul permite identificar o ciclo de claro e escuro e ajustar o ritmo de 24 horas no relógio biológico, mesmo em alguns indivíduos cegos, com cones e bastonetes não funcionais. (foto: A. M. L. Castrucci)

Para formar uma imagem no cérebro, a luz estimula a camada mais profunda da retina, onde estão cones e bastonetes, que enviam essa informação para outras camadas (inclusive a de células ganglionares) que então a repassam, por meio do nervo óptico, para as regiões cerebrais responsáveis pela visão. Um dado curioso é que mesmo algumas pessoas cegas (ou seja, com cones e bastonetes inoperantes) são capazes de sincronizar sua fisiologia aos ciclos de claro e escuro (ficam em vigília durante o dia e dormem à noite) e suas pupilas dilatam-se ou contraem-se em resposta à variação de intensidade de luz. Esse fato foi explicado com a descoberta do pequeno percentual de células ganglionares que contêm melanopsina. Também sensíveis à luz, essas células iniciam o processo que leva a essas reações.

 

Você leu apenas o início do artigo publicado na CH 326. Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista e ler o texto completo.

Ana Maria de Lauro Castrucci
Departamento de Fisiologia,
Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo

Comentários (3)

  1. Letícia da Silva Lins

    Uma volta ao passado para refletir o presente e compreender o futuro.

  2. Letícia da Silva Lins

    O conhecimento é algo muito importante para o desenvolvimento.

  3. Letícia da Silva Lins

    O passado nos ensina como evoluir mas é muito importante que nesta evolução não devemos evoluir os nossos erros .

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